Inventário
— Você mantém sua posição? - perguntou o diretor, o olhar duro e ausente. — Sim - respondeu, firme, sem deixar que a voz a traísse. — Então, vou ter de lhe pedir o cargo. Não se esqueça de transferir a carga patrimonial. Com os olhos úmidos, deixou a sala e pegou o celular para contar ao namorado o que perdera... O que perdera mesmo? Fez o inventário do acervo material do qual usufruíra: - A pequena árvore que fazia sombra na vaga privativa; - O jardim cheio de passarinhos visto da janela; - O sol da tarde que brincava na parede; - A chuva que acariciava o vidro; - O quadro com a mulher azul; - O vaso de cristal com flores renovadas toda semana; - O café servido na xícara em vez do copinho de plástico. Enumerou também o patrimônio imaterial que amealhara das pessoas à sua volta: - A alma larga e o riso triste do colega na sala à direita; - A solidão e o desespero mudos do ocupante do gabinete à esquerda; - A voz macia da amiga que cultiva orquídeas-de-metro; - A força da que conduziu c