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Mostrando postagens de outubro, 2008

Relatório sobre a mamãe

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Luci Afonso De: claudia@terra.com.br Enviado em: segunda-feira, 27 de junho de 2005 Para: fabio@tecnomix.com.br Assunto: Relatório sobre a mamãe Querido irmão, Tudo bem por aí? E a viagem à Disney? Adorei a sua foto com o chapéu de pirata e a caneca do Mickey. Ontem, eu e o Claudinho fomos à chácara, depois de muito tempo, e fizemos uma triste constatação: a mamãe está retornando ao estado selvagem, talvez ao nível do primitivo Homo Sapiens . Qualquer dia vamos encontrá-la em cima de uma árvore, e não será de se estranhar! Os indícios dessa regressão são vários: 1. Ela se alimenta do que encontra na natureza, por exemplo, frutas ou verduras que ela mesma plantou; 2. Bebe água diretamente do poço, porque acabou a mineral; 3. Raramente penteia o cabelo (agora está ruivo, por causa do sol) e toma banho a cada três dias; 4. Vive no escuro — guia-se mais pelo olfato, ainda que a visão de longa distância funcione precariamente. O mais grave, mano, é que mamãe está quase surda e só abre o po

Coriandrum et Petroselinum

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Antônio Cardoso Neto Tanto os sérvios quanto os croatas falam a mesma língua, mas a escrevem de maneiras diferentes. Por imposição católica romana, os croatas usam o alfabeto latino, ao passo que os sérvios utilizam o alfabeto cirílico por determinação ortodoxa bizantina. O Híndi, que se fala na Índia, é a mesma língua que é chamada de Urdu no Paquistão. Mas por ser o Paquistão majoritariamente muçulmano, o Urdu é grafado no alfabeto em que o corão foi escrito: o arábico. Já o Hindi é escrito no alfabeto devanagárico ou Devanágari, que significa, literalmente, “escrita sagrada” em Sânscrito. De qualquer maneira, o idioma é o som, não a escrita; é como se fala, e não como se registra a fala em um papel. Senão, o sinônimo de “idioma” seria “dedo”, e não “língua”. No frigir dos ovos, essas pequenas diferenças na maneira de escrever, por serem frutos de diferenças maiores, são suficientes para que sérvios e croatas se trucidem mutuamente, da mesma maneira que o fazem paquistaneses e indian

Almofada de cetim

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Maria Amélia Costa O aparelho celular vibrou no bolso interno do paletó. Era sábado pela manhã, estava em uma reunião de trabalho e não pôde atender. Olhou depois na caixa de mensagens o convite para uma festa. Ficou alegre e surpreso porque há muito não recebia convites. Ligou para confirmar. Doravante o dia ficou mais iluminado e sua participação na reunião, mais ativa. Chegou até a levantar-se e gesticular na defesa de seus argumentos. No corpo uma palpitação e o desejo de encontrar o Alfredinho que decerto estaria lá. Sorriu olhando com olhos distantes para a colega que, à sua frente, perguntou o que ele achava daquela proposta. Disse-lhe que sim, que era muito interessante e que podiam contar com ele. Nadava em um mar de possibilidades e tudo se revestiu no sabor de uma doce espera. Durante o resto da manhã escapou em devaneios sobre o seu romance com o Alfredinho. Os olhos fundos nadando em palavras lentas, os dedos bem torneados, o caracol dos cabelos ruivos e sempre com aquele

Poema 1

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Luci Afonso Calça bordada, Blusa de renda. Laço de fita, Olho de prenda. Pai, Doce, Balão. Abraço vão. Despedida.

Manual do recém-chegado a Brasília

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Antônio Cardoso Neto Você acaba de chegar a Brasília e está mais perdido que cego em tiroteio com esse negócio de SQS, SQN, W3, L2 e outras siglas. Vá se acostumando, pois aqui é assim mesmo: é FHC, JK, ACM... depois acaba virando pizza, mas antes vira sigla. Mas, essas letras e algarismos (ou dígitos, se você tiver menos de quarenta anos) definem os logradouros urbanos de maneira original e bastante racional. Como tudo na vida, com o passar do tempo, você acabará se acostumando. Exemplo de imparcialidade regional, a capital do Brasil eqüidista de todos os grandes centros do país, ou seja, é igualmente longe de tudo. O Distrito Federal, ou DF, é uma ilha cercada de Goiás por todo lado, e o nome Brasília refere-se apenas à Região Administrativa de Brasília, que corresponde a pouco mais que o Plano Piloto, ou as “asas do avião”, se preferir. O gentílico de Brasília é brasiliense. Quanto a quem nasce no DF, são chamados de candangos, mas desconfio que a denominação oficial seja distrito-f

A Salamandra Cor de Laranja

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Eneida Coaracy Salamandras são animais anfíbios conhecidos pela capacidade de auto-regeneração de suas caudas quando mutiladas. A rapidez com que esta parte do corpo desses pequeninos animais se regenera, após terem sofrido agressões externas, inspirou uma amiga ao escolher um presente para mim. Assim, fui surpreendida com este delicado pequeno mimo, feito de vidro alaranjado, na forma de uma espevitada salamandra. — Como se chama este animalzinho mesmo em inglês? Perguntei-lhe ao receber o presente, pois a amiga em questão é americana. — ‘Salamandra’. Respondeu-me. Elas têm uma capacidade incrível de se auto-regenerarem. — Ah! Sim. Salamandra, como em português. Sei o que é... Lindinha. Muito obrigada mesmo. Você não se emenda. Está me estragando de tanto mimo. Acrescentei. Íamos a uma festa naquele dia e o presente me foi dado antes de sairmos juntas. Voltei com a salamandrinha guardada na minha pequena bolsa de festa e, ao chegar em casa, abri o embrulhinho para admirar mais uma vez

Sarau Festas do Povo

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Dia 3 de novembro 19 horas Prédio do Cefor - Coordenação de Transportes Câmara dos Deputados Realização: Espaço Cultural - Cefor - Sindilegis

O cabeleireiro fiel

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Luci Afonso — O senhor está na fila do pão? - ouço atrás de mim. Ninguém responde. — O senhor está na fila do pão? – uma jovem morena me cutuca o ombro. — Não, estou na dos salgadinhos - digo, virando-me na direção da voz. — Ah, me desculpe, eu pensei... Sinto-me o alvo de olhares curiosos na padaria cheia. Desisto dos salgadinhos e volto para casa. — Quem é o novo morador? - pergunta o síndico ao porteiro, ao me ver entrar no prédio. Não dá tempo de ouvir a resposta. — Nossa! Ficou... ficou... - gagueja minha mãe ao abrir a porta. Dirijo-me ao quarto, mas, no caminho, enfrento o olhar reprovador do meu filho adolescente: — Por que você fez isso, mãe? Tranco a porta, pego o espelho de mão e confirmo o que vira um pouco antes no salão: de costas, pareço um homem musculoso, de ombros largos, cabeça comprida e ovalada. Poderia até ser confundido com um militar, por causa da jaqueta verde. Conto até três e me olho de frente. Os seios grandes não deixam dúvida quanto ao gênero feminino, mas

Mutilação Ortográfica

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Antônio Cardoso Neto Algum tempo após a independência dos Estados Unidos, Noah Webster concebeu um dicionário da língua inglesa sem se importar com os ditames britânicos, voltado para o povo da nação recém-nascida. Desde então, os Estados Unidos adotam oficialmente uma ortografia soberana, independente da usada na Inglaterra. E isso nunca os impediu de lerem as versões originais de Joyce, Dickens e Shakespeare, nem constituiu qualquer estorvo aos súditos de Sua Majestade ao lerem Faulkner, Poe e Twain. A reforma ortográfica da língua portuguesa, recém-imposta, é uma demonstração de que não somos “macaquitos” imitadores de gringos, e que a nossa independência da Europa é diferente da dos ianques. Ainda somos meio portugueses. Esse negócio de acabarem com o acento do substantivo vôo não é nada mais que a admissão oficial de que, na prática, há muito tempo que os vôos não possuem mais assento, pois ainda vai chegar o dia em que “acento” e “assento” terão a mesma grafia. Alguns hífens acab

Uma breve autobiografia

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Antônio Cardoso Neto O papa se chamava Pio XII e a guerra dos americanos era na Coréia quando surgi em Bauru (SP), quase cinqüenta e sete anos atrás, como conseqüência de uma mistura insensata de genes espanhóis, italianos e portugueses. Era quatro de dezembro, dia dedicado a Iansã, mas isso não tem a menor importância, pois sou sagitariano, e os sagitarianos não acreditam nesse negócio de astrologia e de horóscopo. Passei a minha infância nos cafezais do norte do Paraná, e a primeira parte da juventude, no sul do estado de São Paulo. Minha primeira profissão foi no laboratório fotográfico do meu tio. Mais tarde, entrei na USP de São Carlos, onde acabei virando engenheiro civil. Comecei a trabalhar com água e fui parar em Rondônia, onde vivi entre os suruís, os cintas-largas e outros, então, canibais. Voltei para a USP de São Carlos e escrevi uma dissertação sobre escoamento de jatos fragmentados, saindo de lá como mestre em hidráulica. O meu orientador era paquistanês, o que fazia de

Encontro Inevitável

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(Letra e música de Nestor Kirjner) Este país já não vive sem ti. Esta nação já é o teu coração. Quantos brasis tua mão inventou! Quantos brasis concebeu! Tu vieste, eu sei, do Japão, e aqui teu filho nasceu. Tu vieste, eu sei, do Japão, e aqui teu filho nasceu. Esta mulher de beleza sem par, olhos puxados, é brisa do mar. Invenção de Deus, faz sonhar! Invenção do Amor, vou-te amar. Ô ô! O encontro inevitável do amor! O encontro inevitável do amor! O encontro inevitável! A paz! Japão! Brasil! Miscigenação! (Refrão) ( nestorkirjner@terra.com.br )

Sopa de pedra

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Luci Afonso Quando cheguei ao foyer , ouvi o celular. — Você vem? - perguntou a voz inconfundível. — ...? — À Embaixada, ora pois! Vão servir daqui a pouco. — Servir o quê? — A sopa! A sopa de pedra! Senti grande desânimo e sentei-me para continuar a conversa. — Não recebeu meus e-mails? – insistiu a amiga. — Reservei nossos lugares. São apenas cem convidados. Meu correio eletrônico estivera estranhamente vazio nos últimos dias. Só agora me dava conta de que havia algum problema. Há um ano eu ansiava provar a lendária iguaria da região de Almeirim, temperada com feijões, lingüiças, salames e chouriços. Na degustação literária, escritores famosos vindos especialmente de Portugal recitariam suas obras. — Não posso ir - expliquei a situação. — Amanhã me conte como foi. Compromissos são sagrados. Entre os inúmeros eventos culturais que agitavam a cidade, havia a peça de uma conhecida poetisa, somente naquele final de semana. Recebi o convite inesperado e aceitei sem hesitar, já que perdera

Cordel do Japão

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Gustavo Dourado O País do Sol Nascente: Por Japão é conhecido... Um haykai em borboletra Soa em fá sustenido... Ninjas...Deusas...Samurais: Buscam o elo perdido... Arquipélago: Gen do Sol: Montanhas, vulcão e mar... Noh...Kabuki...Ikebana: Buda Xinto iluminar... Sabedoria...Progresso: Coragem para mudar... Tecnologia de ponta: Próspera modernidade... Trabalho e tradição: Honra e vitalidade... Superação dos limites: Nipograndiosidade... Ilhas...Templos...Natureza: Em Fuji...Cosmovisão... 130 milhões de almas: Trabalham com devoção... Parceria com o Brasil: 100 anos de integração... Educação de primeira: Yamato - Kamakura... Lavra, tanka e hayku... Arquipélago natura... Flui poesia pelos poros: Mishima arquitextura... Navio Kasato Maru: Japoneses no Brasil: 18/06/1908: Um momento varonil... 781 lavradores: Multiplicaram-se por mil... Milhões de nipo-brasileiros: Em São Paulo...Paraná... Brasília e Curitiba: Londrina e Maringá... Mogi, Bastos, Assaí: E no Estado do Pará... Descendentes de

Terça Crônica

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Uma grande parte da história brasileira foi contada pelos cronistas, de maneira curta e bem-humorada. O ator Jones Schneider e o músico Alex Souza selecionaram algumas dessas deliciosas crônicas para apresentá-las em leves cenas musicadas, em um dos mais simpáticos teatros da cidade. Teatro Goldoni/Casa d’Itália 208/209 Sul 21 horas Entrada franca DIA 07/10 - Crônicas de José Carlos Vieira e canções de Chico Buarque. DIA 14/10 - Crônicas de Roberto Klotz e canções de Caetano Veloso. Roberto Klotz escreve como se estivesse conversando. É criativo com linguagem alegre, bem humorada e entusiasmada. Observador atento a tudo que o rodeia e, como cronista, interpreta e acentua com leveza e ironia procurando surpreender o leitor ao final da história. Enquanto aprendia a cozinhar escreveu um livro de aventuras culinárias, engordou de tantas pizzas encomendadas. Para recuperar o peso, o médico recomendou que caminhasse. Escreveu crônicas para pessoas que caminham com os olhos fechados.