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Mostrando postagens de setembro, 2007

Bandeira 2

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Acordo sentindo uma leve tristeza na manhã de sábado. Cai uma chuva fina desde a noite passada. Finalmente vou buscar meu carro na oficina. A revisão demorou mais que o esperado, e por isso andei de táxi uma semana. Chamo o Sr. José Maria para nossa última corrida, já com saudade das suas histórias. Ele quase não dormiu. Está com os olhos vermelhos e a barba por fazer, mas ganhou um bom dinheiro com as chamadas noturnas: 21 horas. Jorge contrata uma garota na 314 e a leva até o Colorado. As preliminares têm início já no carro e se prolongam no estacionamento do motel, enquanto o casal aguarda uma vaga. 21h40min. Selma segue o marido até uma boate no Conic. Há muito tempo ele não a procura. Está desconfiada de que tem outra mulher. 22 horas. Mel vai comemorar 45 anos com amigas no Gilberto Salomão. Seu pedido secreto de aniversário é encontrar um homem bonito e carinhoso com quem passar a noite. 23 horas. Bernardo, viúvo há um ano, vai até o Alpino’s, no Parque da Cidade, tomar um chop

Linguagem

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Anabe Lopes Busco nos recônditos da lembrança a linguagem da plebe em que fui formada e linguagem do amor e da dor em que fui gerada Sorverei o perfume dessa flor teimosa Que vomitará o tédio, Sobre o negro asfalto, De piche, de pedra e de sangue Ela expressará o sentido da seiva corrente nas artérias do homem morto sob o asfalto que fará nascer uma esperança amarela De um futuro negro, E haverá mais flores rompendo o nojo Teimosas e amarelas flores Amarela esperança. Decifrará dor de que somos feitos Desfará o nó de existir Despencará no mundo escurecido Iluminado canto alegre de pássaros teimosos ao nascer de um dia teimoso e ensolarado que vencerá a poluição e simplesmente brilhará!!

Cala a boca, cachorro!

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Acabamos de nos mudar para o apto. 105. Quem mais sente a mudança é nossa cadelinha Vivi, que, acostumada a ficar solta na chácara durante quase cinco anos, agora está confinada. No primeiro dia, nervosa, faz o n° 1 no elevador, por azar, no momento em que o vizinho do 106 desce, descalço, para pegar o jornal. Ele pisa na poça, percebe o que é e vai direto reclamar à síndica. Recebo a primeira notificação do condomínio, lembrando os cuidados necessários com os animais. Curiosamente, o cachorro da síndica, seu amigo inseparável, tem livre trânsito no prédio. Engulo a advertência. Vivi está mais calma. Uma manhã, porém, não se segura a caminho do parque e faz o n° 2 ali mesmo na escada — a empregada tinha sido instruída a não mais usar o elevador. O vizinho também não o usa mais e sai nesse instante para o trabalho. Desce, apressado, e resmunga quando um chiclete parece pregar no sa pato. Chegando à garagem, olha melhor e dá um grito ouvido em toda a vizinhança. Segunda notificação, am

Canção de amor

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Anabe Lopes Te encontro no beijo do vento, um sopro no tempo. Nos olhos da lua te vejo, a todo momento. Almas de flores flutuam, no céu de um abraço. No abraço um beijo de vida, remanso, riacho. Mágica essência da terra, desliza o momento. A voz suave da chuva, sussurra o teu beijo. Olho no céu um lampejo, no azul horizonte Da água que escorre em meu corpo, renasce um desejo. Da espuma das ondas do mar, divino carinho. Ao som dessas águas azuis, grito seu nome. E o mar te entrega um segredo, na areia da praia. E na eternidade das ondas, eu posso te ter.

O eqüino estrangeiro

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Leonardo Oliveira O eqüino estrangeiro, despedaçado pelo seu passado, avistava o horizonte, deslumbrado, quando chegou à fazenda. Receoso, logo avistou uma criança no alpendre da enorme casa. Foi quando os olhares se entrelaçaram. Por trás do sorriso sutil e dos olhos famintos, a criança escondia um amor puro e colorido, como as violetas e margaridas sorridentes em sua janela. Não havia brutalidade ou manchas de uma vida desgastada. Era puro. O olhar da criança confortou o eqüino. Aos poucos, ele foi juntando seus remendos e renasceu pelas mãos da criança que, todas as manhãs, acordava para contemplá-lo do alpendre de sua casa.

Silêncio

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Anabe Lopes E de repente acordei E tudo era silêncio Um silêncio que cortava o corpo do sonho ao meio Uma enorme cachoeira silenciosa Os pássaros ensaiavam os sons e produziam só o silêncio e o silêncio reproduzia um grito de dor As crianças vinham a mim sorrindo e suas palavras silenciosas calavam mais a minha alma que vertia lágrimas silenciosas E a nossa música passou a ser o silêncio... Tenho (?) 41 anos e 4 filhos. O tempo que tenho é o que virá, se vier,e passará, porque quando paramos para pensar o agora ele já é passado. Os filhos são do mundo e os consagro a Deus, e que sejam atores e construtores da vida e da fé. A poesia é minha forma de provar intensamente a vida, de vivenciar a sensação de habitar o espaço entre o ser o não ser, o crer e o não crer, o viver o não viver, o fazer e o não fazer... o dizer e o não dizer; esses espaços plenos de sentimento de mundo em que nossas almas dançam entre a realidade e o sonho. É minha forma de não calar, mesmo sabendo que a palavra es

É meu!

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— É meu! É meu! É meu! - A mulher saiu correndo da outra ponta do bloco e veio gritando furiosa em minha direção, debaixo da forte chuva. Já eram 14 horas e, aparentemente, ela também estava atrasada para o trabalho. — Não, dona, eu sou é dela - explicou calmamente o Sr. José Maria, saindo do táxi e apontando para mim. — Mas eu chamei faz tempo! - ela insistiu. — Foi radiotáxi? É assim mesmo: a senhora paga menos, mas espera mais. Já deve estar chegando. Ficamos os três ensopados, enquanto ela se convencia de que eu não roubara o táxi que ela esperava há mais de 20 minutos. — A senhora pode me ceder a vez? - suplicou ela, me oferecendo uma nota de 10 reais. Eu estava meio dura, mas nem me passou pela cabeça aceitar a oferta. O Sr. José Maria valia muito mais. — Desculpe, o chefe corta o meu ponto - menti. Para sorte de todos, o radiotáxi dela chegava nesse instante. Despedimo-nos e nos acomodamos nos respectivos carros. — Tem gente que se desespera à toa, né? – comentou meu motorista.

Nostalgia

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Leonardo Oliveira E todos aqueles momentos mais do que especiais que tive o privilégio de viver um dia continuam guardados a sete chaves dentro do meu peito. São como cachorrinhos recém-nascidos: frágeis por demais. Tenho medo até de relembrá-los além da conta para que não sejam mudados. Não quero estragá-los. Não, em hipótese nenhuma! Seria irreversível. Seria como perder um amigo num acidente de carro. Mas acho que foram no mínimo corrompidos por mim e pela minha terrível necessidade de praticar o verbo "lembrar". É como se fosse um antidepressivo: a nostalgia cura meus momentos de dor e solidão. O que posso fazer? O melhor mesmo é que tais momentos continuem guardados até que chegue a próxima tarde vazia e nostálgica. Quem sabe amanhã, talvez.

Experiências em Palavras

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( Revista da Casa — Câmara dos Deputados, n° 76, 04/09/07) Traduzir pensamentos e experiências em palavras, esse é o objetivo da servidora do Departamento de Taquigrafia (Detaq) e escritora, Luci Afonso. De suas vivências do cotidiano, a mineira de Araxá tirou os temas para suas crônicas que geraram o primeiro livro publicado pela funcionária da Casa. “Velhota, eu?” que foi lançado no dia 2 de abril e garantiu à escritora a participação na 26ª Feira do Livro de Brasília. Luci Afonso, filha mais velha de quatro irmãos, mudou-se para Brasília ainda criança, em 1971, acompanhando o pai comerciante e a mãe, que foi funcionária da biblioteca da Câmara. A servidora do Detaq, que ingressou na Casa em 1985, conta que seu interesse pelas letras surgiu ainda na infância e foi retomado agora com a participação nas oficinas culturais da Câmara. Ela revela que o livro foi todo escrito nas Oficinas de Crônicas do Núcleo de Literatura do Espaço Cultural Zumbi dos Palmares. Do convívio nesses grupos

História de uma vida após a morte

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Leonardo Oliveira Ainda não estava certo de sua missão. Não, certeza era algo que ele nunca havia tido. Talvez fosse mesmo só mais um indeciso no meio da multidão, ou talvez tivesse mesmo nascido para mudar o mundo. Nem que fosse de forma anônima, com a ajuda do seu “eu” escondido no mais profundo infinito de si mesmo, ele mudaria o mundo. Quando criança, teve medo de fantasmas. Não tinha medo de cobras, altura ou mesmo da morte, mas de fantasmas. Eles espreitavam seus pensamentos e o perseguiam até em seus sonhos. Já não bastasse toda aquela metamorfose infernal pela qual os garotos tinham de passar a certa altura da vida, as coisas só fizeram piorar. O seu céu, mais lindo que uma pintura expressionista, mais claro que a água do alto mar e mais limpo que a areia das dunas do deserto, se fechou. Uma nuvem negra apareceu de supetão, trazendo consigo um temporal e, em seguida, uma neblina. Era tão forte que chegou a embaçar seus olhos, deixando-o permanentemente cego. Durou. Todo aquele

Comentário sobre "Velhota, eu?"

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caríssima luci, estive viajando uns tempos, de forma que só agora pude ler o seu livro (cujo envio muito lhe agradeço). e digo-lhe: gostei muito. concordo que crônica é tudo aquilo que for manchete na alma do cronista. apenas, nem todos os cronistas sabem fazer manchetes do cotidiano. e, não em todos os textos, mas em alguns você soube. e muito bem. velhota, eu?, felicidade, eu tenho!, agonia e êxtase , são alguns desses casos. tem-se por histórico colocar como marco da crônica o rubem braga. tudo bem, é um marco. mas o mundo não parou nos jardins da cobertura da rua barão da torre. assim como o mundo avançou (retrocedeu?), a arte da comunicação também. os novos usos da palavra transformaram a arte de escrever. digo-lhe isto pra quê? apenas pra repetir o que escrevi acima: gostei do seu livro. mais de umas, menos de outras, mas no total, a média das suas crônicas é muito boa. abraços do cunha de leiradella * Prezado Cunha de Leiradella, Agradeço-lhe muitíssimo a gentileza de ler e

Menininha

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Mil passos até a Igreja Matriz, onde foi batizada e recebeu a primeira comunhão. No sábado à tarde, sempre encontrava a porta fechada quando ia se confessar. No domingo de manhã, vestido bordado, meias três-quartos e sapatos de verniz, ajoelhava-se sob o olhar indecifrável dos anjos, temerosa de haver cometido algum pecado. Quinhentos passos até o grupo escolar, onde Dona Lourdes, a faxineira, a consolava quando as outras meninas não a deixavam entrar na roda. No dia da padroeira, era escolhida entre todas as alunas para coroar Nossa Senhora Aparecida e, de roupa branca, subia trêmula e solene os degraus até a estátua de manto azul. Duzentos passos até a lojinha da Boa Vista, onde uma vez cobiçou um diadema cor-de-rosa na vitrine. Voltava toda semana para comprá-lo, mas já fora vendido e outro estava para chegar. Depois de algum tempo, teve a certeza de que jamais conseguiria o que desejasse — melhor não querer. Cem passos até a Rua São Vicente, onde brincava em bandos, alheia,