Atendimento preferencial



Às 10h59min acomodou-se na cadeira, apertou o nó da gravata e dispôs as canetas azul, vermelha e preta à direita do bloco de anotações. Sua mesa era no meio do salão, onde a visão estratégica lhe permitia supervisionar todo o movimento.
Abriu-se a porta e a multidão entrou para disputar a fila. A pequena agência na entrequadra só dispunha de dois caixas — um deles destinado ao atendimento preferencial —, que davam conta tranqüilamente do fluxo normal de clientes, mas nesta sexta-feira, véspera de carnaval, era esperado um número maior.
— De onde sai tanto velho? - ele se perguntava toda manhã.
Os aposentados chegavam à média de um por minuto e reuniam-se em bandos na mesinha do café, falando alto, sem pressa. Depois de pôr as notícias em dia, dirigiam-se calmamente à fila. Antes de fazer o pagamento, transferência, saque ou o que fosse, perguntavam à caixa como ia a família, contavam que a saúde andava melhor, que o neto dera os primeiros passos, que a filha descobrira a traição do marido.
— Será que não têm mais nada para fazer? - revoltava-se.
Não bastasse a preferência em filas, uma nova lei distrital assegurava a velhos, deficientes de todos os tipos, gestantes etc. vagas especiais em estacionamentos. Era contrário a qualquer privilégio: se eram capazes de dirigir, podiam perfeitamente estacionar como qualquer cidadão; se conseguiam caminhar, deveriam esperar em filas comuns, sem tumultuar a vida dos outros. Uma vez implantado o sistema, porém, a principal tarefa era assegurar que ninguém se beneficiasse indevidamente. Para alcançar esse objetivo, desenvolvera ao longo dos meses uma observação rigorosa dos que se dirigiam à fila preferencial.
Era fácil perceber os verdadeiros idosos. Os homens eram carecas e usavam roupas ridículas; as mulheres exibiam pencas de bijuterias e a cabeleira tingida em tons intensos de preto, ruivo ou vermelho. Todos usavam óculos e, pelo que podia notar, dentaduras.
Quando havia um caso duvidoso, ele abordava a pessoa em questão ou pedia ao guarda que o fizesse. Se não comprovada a idosidade ou a deficiência, o espertinho era encaminhado à fila comum.
— Folgados! - resmungava, desfrutando de um secreto prazer.
Às vezes, no entanto, enganava-se, e respondia a processos por danos morais: o senhor bem-vestido, que aparentava ter uns cinqüenta anos, ao ser abordado, provou ter setenta e cinco; a gostosona de vestido justo que, vista por trás, parecia ter uns quarenta, pela frente ganhava vinte; e o homem jovem e forte, claramente na casa dos trinta, confrontado, sacou do casaco comprido, com grunhidos ameaçadores, uma enorme carteira plastificada que atestava deficiência mental.
Para sua surpresa, a sexta-feira transcorreu tranqüilamente. Não precisou interpelar ninguém e às 17h59min já trancava as gavetas e se dirigia para casa. A esposa o esperava de camisola e bóbis, com a janta quase pronta. Ele tomou o banho rápido e morno, enfiou-se no pijama xadrez, calçou meias e sandálias e sentou-se na cadeira do papai em frente à TV.
— Ainda bem que estou para me aposentar! - suspirou, antes de tirar o cochilo.

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