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Mostrando postagens de novembro, 2013

O nascimento da crônica

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Machado de Assis Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue ; está começada a crônica.  Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, p

Oração do Novo Leitor

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Arte: Eudaldo Sobrinho e Felipe Cavalcante Luci Afonso Às professoras e alunos do EJA Palavra Nossa Palavra Nossa, que derramais o Mel, Significado seja o Vosso Nome. Venha a nós a Vossa Linguagem Seja feita a Vossa Verdade, Assim na voz como no papel. O Sentido nosso de cada dia dai-nos hoje. Abençoai as sentenças Que temos aprendido Salvai nossa imaginação Fortalecei o que graças a Ti Compreendemos.  Amém. Eu sou digno Senhor, eu sou digno de que o livro entre em minha alma; lerei uma só palavra e serei salvo. Herdeiro de Deus Herdeiro de Deus, Que lançais o poema no mundo, Semeia a Palavra em nós. Herdeiro de Deus, Que lançais o poema no mundo, Dai-nos a Voz. Novembro de 2013

Pequeno improviso para Miliane

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Luci Afonso Escuta escuta escuta. Poesia poesia poesia. Roda roda roda. Feliz feliz feliz. Anda anda anda. Agora agora agora. Ensino ensino ensino. Aprendo aprendo aprendo. Palavra fome palavra fome palavra fome. Atenção atenção atenção atenção atenção atenção. Fala fala fala. Nasce nasce nasce. Vive. Vive. Vive. Ora. Outubro de 2013

A segunda cigarra

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Luci Afonso Levanta, filho! A manhã está fresca com a chuva da noite. O céu de tão azul parece pintura. A grama ainda está úmida, há poças dágua no parquinho. As crianças estão começando a descer. Lembra o Tavinho? Já está andando: dá uma corridinha, para, corre de novo, às vezes cai. A avó, preocupada, fica atrás dele. Os dois dão uma corridinha, param, correm mais um pouco. Tem babá nova no prédio, daquele menino chorão que eu não sei o nome. Acho que é Pedro. Dona Rita viajou de novo para ver a irmã doente. Vou fazer uma visitinha ao Seu Inácio, coitado, ficou sozinho. Escutou a primeira cigarra, filho? Foi ontem antes da chuva. Todo ano dizem que elas vão ser extintas, todo ano elas voltam! Já pensou, acabar essa cantoria que a gente adora? A Dévon ficou doida na janela, querendo pegar o bichinho. Vamos achar uma pra ela brincar? Preciso lembrar de pedir ração. Também é hora da vacina. Abriu uma clínica ali na quadra. Peguei o cartão, tem um nome engraçado. Consegu

Meu ideal seria escrever...

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Rubem Braga  Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".  Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aum