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Mostrando postagens de abril, 2009

Aperto

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Luci Afonso Em tempos de hiperendividamento, é bom tomar alguns cuidados na hora de consumir ou de ser consumido. Automóvel. Se você não ultrapassa os 80 quilômetros por hora, só usa o carro durante o dia, não dirige com chuva e nunca sai do Plano Piloto, resista à tentação de comprar, em 48 prestações altíssimas, um modelo superesporte, motor 1.8, faróis de milha, rodas de liga leve e outros acessórios que nunca aprenderá a usar. Há o risco de atrasar as prestações e ter que repassar o veículo pelo preço que conseguir achar na Cidade do Automóvel, antes que o Oficial de Justiça apareça com o mandado de busca e apreensão. Transporte alternativo. Se a situação acima se concretizar, passe a utilizar o serviço de radiotáxi para se locomover. Escolha um bom livro para ler enquanto aguarda e exija sempre os 30%, mesmo que o motorista seja uma besta e finja não saber que o desconto é obrigatório. Por precaução, vá pesquisando os trajetos, tarifas e horários dos zebrinhas

A arte de escrever é o ofício de reescrever

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Neil Ferreira* Um texto não pode ser chato. Um texto não pode insultar a inteligência de quem o está lendo. Um texto tem que ter ritmo. Às vezes você vê um redator brigar que nem um leão por causa de um ponto e vírgula, porque, na respiração desse redator, essa frase tinha um ritmo tão emocionante que, sem esse ponto e vírgula, talvez seria quebrado um ritmo, quebrando a comunicação de uma idéia bela, de um raciocínio emocionante. Talvez esse ponto e vírgula não seja nem ao menos essencial ao conteúdo da mensagem. Mas é muito provável que ele seja essencial à forma da mensagem, a roupa que ela vai vestir para chamar atenção, para cativar, para emocionar as pessoas. Essa roupa vai ser criada e costurada por um homem solitário, neurótico, inseguro e talentoso, irritante e emocionado, que luta com a máquina de escrever, briga com o papel em branco cada dia, não sabendo nunca se ele vai vencer a briga. Cada linha que ele constrói, ele implora para que o leitor leia a próxima linha. Cada

Como assim?

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A qual expressão idiomática correspondem os eufemismos abaixo? - Aplicar a contravenção do senhor João, deficiente de um dos membros superiores. - Colocar o prolongamento caudal em meio aos membros inferiores. - Deglutir o batráquio. - Derrubar, com a extremidade do membro inferior, o suporte sustentáculo de uma das unidades do acampamento. - Não considerar a possibilidade de a fêmea bovina expirar fortes contrações laringobucais. - Não considerar, sequer, a utilização de longo pedaço de madeira. - Prosopopeia flácida para acalentar bovinos. - Romper a face. (Revista Língua Portuguesa nº 39, janeiro de 2009)

Queria te contar também

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Luci Afonso Prima, Palavras não poderiam expressar meus agradecimentos por demonstrações de tanto carinho e consideração, que, pode ter certeza, são recíprocos. Você me dá prazer de viver, de me sentir gente. Depois do nosso reencontro, estamos mais confiantes para encarar as tranqueiras da vida. Eu e Tetê procuramos o encantamento que anda meio sumido. Quem sabe, um dia, nossos comparecimentos voltem à normalidade. Estou me recuperando de uma noite maldormida (graças a Deus, elas têm sido raras). Fiquei na Internet até tarde e precisei acordar cedo para fazer um curso no Detran. Apesar da solidão, estou satisfeito, aprendendo a agradecer a Deus tudo o que Ele me envia. Deixo a vida me levar, um dia de cada vez, extremamente motivado, mas também com alguns medos. Andei comparando meus pensamentos e atitudes aos de um ano atrás, e, honestamente, creio estar progredindo. Em vez da forte depressão daquela época, sinto-me fortalecido — às vezes, inclinado até a me consi

E o cronista, o que é?

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Machado de Assis dizia que o cronista é uma espécie de colibri que beija um assunto aqui, outro ali. Veríssimo diz que o cronista é como uma galinha, bota seu ovo regularmente, e Carlos Eduardo Novaes define as crônicas como laranjas: podem ser doces ou azedas, e ser consumidas na poltrona da casa ou espremidas nas salas de aula. Para atender à crônica é necessário considerar o espaço em que ela se insere. E esse espaço é ambíguo. Ela pertence à série jornalística e à série literária. É escrita em jornais e revistas que são consumidos rapidamente e esquecidos. Mas, se for realmente um produto literário, será logo resgatada em livro. No espaço da crônica, há uma troca de intersubjetividades. O leitor entra em outra frequência. Rubem Braga escrevia em FM, a sonoridade de sua frase e a melodia do pensamento têm função na comunicação. Existe uma complexa relação do cronista com o tempo. Vinícius certa vez se referiu ao fato de que, chamado para ser cronista da Última Hora, pensou em ter s

Chateando Camões

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Algumas expressões idiomáticas de países lusófonos Angola Dar gasosa - Entregar gorjeta, gratificação, ou suborno Dar jajão - Simular Apanhar a pata - Ter controle sobre alguém Calça queima bilhas - Calça muito justa Não maia - Não falha, não vacila. Brasil e Portugal Ficar à sombra da bananeira - Ficar despreocupado. Pensar na morte da bezerra - Estar distraído/a Ter macacos (ou macaquinhos) no sótão - Ter ilusões Voltar à vaca fria - Voltar ao assunto com que se iniciou uma conversa. Brasil Bater com as dez - morrer Briga de foice (no escuro) - mulher feia Descascar o abacaxi - resolver problema complicado Ensacar fumaça - fazer trabalho inútil Enxugar gelo - insistir em um trabalho inútil Mudar do saco para a mala - mudar totalmente de assunto Pagar o pato - ser responsabilizado por algo que não cometeu Pensar na morte da bezerra - distrair-se. Portugal Água pela barba - Situação desesperante Cabeça de alho - chocho, distraído, esquecido Chatear o Camões - Ir chatear outra pessoa De

Tá entendendo?

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Luci Afonso O Guia de Bolso das Parcerias — Saiba como evitá-las * ensina a identificar os perigos desse recurso aparentemente inofensivo e cada vez mais empregado no mundo corporativo. Em linguagem coloquial, com explicações em forma de perguntas, o Guia de Bolso alerta para os riscos dessa ferramenta quando mal utilizada. Eis alguns verbetes: A-tra-pa-lhar. Que trapo inventou esse negócio, bicho? Des-mem-brar. Cabeça é membro, cara? Se for, pode cortar? Des-pe-da-çar. Vaso bom não quebra, tá entendendo? Man-dar. Variação de não dar, saca? Obs-tru-ir. Bizarro ou sinistro, mano? Par-cei-ri-zar. Tá de zoa, brother? Pi-sar. Pé no saco, sacou? Conheça o intrincado mundo das parcerias e aprenda a manter distância, se necessário. Uma dica importante: na dúvida, diga “não” e corra sem olhar para trás. Guia de Bolso das Parcerias — criar é preciso, parceirizar não é preciso. *Atualizado com a reforma ortográfica.

Adjetivo forte

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Adjetivos não devem ser rejeitados, mas substituí-los num texto por uma indicação concreta é sinal de competência literária. Braulio Tavares Por que todo Manual de Estilo nos aconselha a eliminar adjetivos? E por que achamos tão difícil obedecer? Um adjetivo é útil porque é um atalho, uma simplificação de um processo, um recurso que economiza esforço mental. É uma informação que o autor entrega ao leitor para absorção instantânea, poupando este do trabalho de pensar. O autor preguiçoso escreve: " Fulano de Tal era um funcionário honesto, esforçado, mas pouco imaginativo ". Esses adjetivos lhe poupam o trabalho de demonstrar concretamente qualidades abstratas. E o leitor preguiçoso aceita essas conclusões porque elas o livram de acompanhar uma demonstração e tirar conclusões próprias. Há um princípio estilístico segundo o qual é preciso " mostrar, em vez de apenas dizer ". Em vez de informar ao leitor alguma coisa a respeito de um personagem ou situação, é preferível

Operação Narciso

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“Caríssimos, e bota caro nisso, Essa Operação Narciso me deixou aloPrada! Alguém me deFendi. Não sou dessa Alaia. Não é Versace o que Diesel por aí. Sou pessoa Dolce & Bacanna. Pucci que Paris! Estão me pegando para Christian, meu Dior. Preciso de um Cacharel em direito, um cara Valentino para dar um jeito nessa Bottega, antes que coloquem no meu Rabanne. Eu não vou botar o Galliano dentro não. Chloé? Vou continuar minha Missioni. Miu Miu, abraços para vocês! Eliana” (Texto recebido por e-mail)

Senhorita

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Luci Afonso 31 de dezembro de 1958. Noite de gala no Grande Hotel Thermas do Barreiro. O rapaz alto e magro se aproxima da mesa num elegante terno branco, o cabelo preto engomado com brilhantina. É o homem mais bonito do baile. Ela está deslumbrante no vestido de crepe vermelho, o coque preso por uma tiara, os dentes branquíssimos realçados pelo batom na mesma cor da roupa. Observam-se discretamente desde o começo da festa, mas só agora ele toma coragem para convidá-la. — Senhorita, quer me dar o prazer de sentir o calor de seus braços? Ela estende a mão direita, mostrando o anel de brilhantes que ganhou do pai no aniversário de quinze anos. O moço a conduz gentilmente ao centro do salão e a enlaça com delicadeza pela cintura, mantendo a distância respeitosa exigida à época. — Qual é a sua graça? - ele pergunta, antes de iniciar a valsa. — Vera Lúcia - ela responde, já apaixonada pelo desconhecido de fala mansa e gestos serenos. José, apelidado de Patesco em homen

Os riscos do métier

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Affonso Romano de Sant’Anna Escrever é atividade de alta periculosidade. Muitos se feriram, inúmeros morreram e morrem por causa disto. Um dos riscos mais sutis é o de não saber ouvir sua própria voz de criador. Por mais bela que seja a voz do outro, ela não é a minha. O criador deve ter a humildade de soprar, murmurar ou cantar seu próprio canto. Outro é o de acompanhar a moda artística. Esta é a literatura de surfista. A escrita depende das ondas. Outro risco: a luta contra o maneirismo que advém após a aquisição de um estilo pessoal. O artista se empenha por adquirir sua linguagem e deve continuar a lutar para que ela não se transforme num recurso automático de expressão. Caso contrário, o artista será o imitador de si mesmo e, neste caso, ele deixa de ser um criador. É preciso estar atento contra a exacerbação teórica. A teoria em excesso mata o criador. É uma tarefa dura e delicada o despojar-se dos conhecimentos teóricos durante o voo da criação. Do ponto de vista ético, o grande

Em outras palavras

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Judy Wallman é pesquisadora de genealogia nos EUA. Durante pesquisa da árvore genealógica de sua família, deu de cara com a informação de que seu tio-bisavô Remus Reid era ladrão de cavalos e assaltante de trens. No verso da única foto existente de Remus (em que ele aparece ao pé da forca), está escrito: “ Remus Reid, ladrão de cavalos, mandado para a Prisão Territorial de Montana em 1885, escapou em 1887, assaltou o trem Montana Flyer por seis vezes. Foi preso novamente, desta vez pelos agentes da Pinkerton, condenado e enforcado em 1889 ”. Acontece que o ladrão é ancestral comum de Judy e do Senador Harry Reid, do Estado de Nevada. Judy enviou um e-mail ao Senador, solicitando informações sobre o parente comum, mas não mencionou que havia descoberto que o sujeito era um bandido. A atenta assessoria do Senador respondeu desta forma: “ Remus Reid foi um famoso cowboy no Território de Montana. Seu império de negócios cresceu a ponto de incluir a aquisição de valiosos ativos equestres,