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Mostrando postagens de março, 2009

Primo, prima

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Luci Afonso — Está feliz, prima? A voz carinhosa a despertou do meio-sono em que se encontrava desde que a caipirinha lhe subira de repente à cabeça, no show de forró. Não dançaram nenhuma música, ele com reumatismo, ela com artrose. Em compensação, beberam e trocaram confidências a noite inteira, enquanto os membros mais jovens do grupo arrumavam pares na pista de dança. A embriaguez inesperada a deixara leve e risonha e lhe servira de pretexto para se apoiar no braço forte, que não largara mesmo depois de passado o efeito da bebida. Do forró saíram para o bar do Gonçalinho, em busca do famoso mexidão, que rebatia qualquer bebedeira, e de lá resolveram esticar até o Cristo, o ponto mais alto da pequena cidade, para assistir ao nascer do dia. Sentaram-se debaixo da Árvore dos Enforcados, a mais antiga da região, e na qual, segundo a lenda, escravos revoltosos eram punidos com a morte. A madrugada estava fria e úmida, mas não sentiam frio nem se incomodavam com o chuvisc

Hífen é castigo de Deus

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Dad Squarisi dadsquarisi.df@diariosassociados.com.br O hífen é castigo de Deus? É. Se alguém tinha dúvida, a reforma ortográfica se encarregou de acabar com ela. O texto do acordo é tão impreciso que deixou perguntas, perguntas e perguntas no ar. Onde encontrar respostas? No Vocabulário ortográfico da língua portuguesa (VOLP ). Mas ele estava desatualizado. Finalmente a Academia Brasileira de Letras divulgou a obra. Nota explicativa ajuda a tirar grilos da cabeça. Nela, explicitam-se os princípios que nortearam o VOLP . São quatro. Um: respeitar a lição do acordo. Dois: estabelecer uma linha de coerência do texto como um todo. Três: acompanhar o espírito simplificador do acordo. O quarto e mais importante: preservar a tradição ortográfica quando das omissões do acordo. Em bom português: exceções só as explícitas. Como no jogo do bicho, vale o que está escrito. Eis um exemplo. O acordo manda usar hífen quando o prefixo é seguido de h. É o caso de anti-humano, super-homem, a-histórico. C

O assassino era o escriba

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Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente. Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida, regular como um paradigma da 1ª conjunção. Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético de nos torturar com um aposto. Casou com uma regência. Foi infeliz. Era possessivo como um pronome. E ela era bitransitiva. Tentou ir para os EUA. Não deu. Acharam um artigo indefinido na sua bagagem. A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, conectivos e agentes da passiva o tempo todo. Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça. Paulo Leminski (1944-1989)

Comentário sobre Velhota, eu?

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Acabo de ler um e-mail supergentil, que me deixou felicíssima: "De:Affonso Assunto: Rejuvenescendo Volto ao hotel e começo a ler seu livro cheio de sensibilidade e encantos que não envelhecem nunca, obrigado pela presença no T/Bone, ars" ( Ars é Affonso Romano de Sant'Anna, que fez palestra no T-Bone na quinta, dia 5, e a quem dei um exemplar do meu livro.) Só posso agradecer a gentileza e a generosidade do grande escritor.

O sonhador de moradas

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Luci Afonso Com a alma embriagada de imaginação, o sonhador de moradas transcende seus limites e faz do universo a sua casa. Fertiliza os ambientes que habita com sensibilidade e beleza. Amplia e desdobra os espaços, transportando-os para outros tempos, outros planos. Molda o futuro em composições translúcidas. Aloja-se em toda parte, mas não está preso a lugar nenhum, sempre no devaneio de outro ninho. Alça voo para o imaterial, no fascínio de transpor os obstáculos que o prendem à matéria. Lança-se para o etéreo, onde produz infinitos eus e inaugura múltiplos olhares. As asas impalpáveis do sonhador de moradas o elevam ao cosmos e à eternidade. Inspirado na expressão “Sonhador de Moradas”, do filósofo e poeta francês Gaston Bachelard, o artista plástico Lelo criou uma imagem de grande força poética, que alcança de imediato nossa consciência sonhadora. O devaneio do artista produz um ser que se liberta de toda clausura e ascende à imensidão do cosmos, através da imaginação e do sonho,

Os personagens e seus nomes

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Batizar tipos fictícios exige cuidados com a verossimilhança e alguma intuição por parte do autor Braulio Tavares Em Dona Flor e seus Dois Maridos , de Jorge Amado, o nome dos personagens reflete suas caracteristicas: Vadinho é o "vadio"; Teodoro Madureira, o "maduro". O nome é o rosto verbal do personagem, a senha que basta pronunciar para fazê-lo surgir por inteiro. Na criação de um personagem, a escolha ou invenção de um nome próprio é uma decisão final que nem sempre é fácil. Alguns escritores costumam fazer listas de nomes e sobrenomes, e os distribuem pelos personagens seguindo um pouco o instinto e um pouco a busca de verossimilhança. Pode ser que o autor queira fazer do seu personagem alguém típico, mediano, e nesse caso pode ser útil dar-lhe um nome quase invisível. "José da Silva" já é caricatural, mas nomes como "Antônio Barbosa" ou "Paulo Ferreira" são nomes brasileiros que tendem a passar despercebidos. Qualquer "Maria

UM D14 D3 V3R40

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Leitura intuitiva: depois de ler as primeiras palavras, o cérebro decifrará automaticamente as outras. 3M UM D14 D3 V3R40, 3574V4 N4 PR414, 0853RV4ND0 DU45 CR14NC45 8R1NC4ND0 N4 4R314. 3L45 7R484LH4V4M MU170 C0N57RU1ND0 UM C4573L0 D3 4R314, C0M 70RR35, P4554R3L45=20 3 P4554G3NS 1N73RN45. QU4ND0 3575V4M QU453 4C484ND0, V310 UM4 0ND4 3 D357RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0 C4573L0 4 UM M0N73 D3 4R314 3 35PUM4. 4CH31 QU3, D3P015 D3 74N70 35F0RC0 3 CU1D4D0, 45 CR14NC45 C41R14M N0 CH0R0, M45 3l45 C0RR3R4M P3L4 PR414, FUG1ND0 D4 4GU4, R1ND0 D3 M405 D4D45 3 C0M3C4R4M 4 C0N57RU1R 0U7R0 C4573L0. C0MPR33ND1 QU3 H4V14 4PR3ND1D0 UM4 GR4ND3 L1C40; G4574M05 MU170 73MP0 D4 N0554 V1D4 C0N57RU1ND0 4LGUM4 C0154 3 M415 C3D0 0U M415 74RD3, UM4 0ND4 P0D3R4 V1R 3 D357RU1R 7UD0 0 QU3 L3V4M05 74N70 73MP0 P4R4 C0N57RU1R. M45 QU4ND0 1550 4C0N73C3R 50M3N73 4QU3L3 QU3 73M 45 M405 D3 4LGU3M P4R4 53GUR4R, 53R4 C4P42 D3 50RR1R!! S0 0 QU3 P3RM4N3C3 3 4 4M124D3, 0 4M0R 3 C4R1NH0. 0 R3570 3 F3170 4R314. (Texto recebido por e-mail

Oração ao caixa eletrônico

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Luci Afonso Caixa nosso que estais no ( especificar o local ), santificado seja o vosso autoatendimento, venham a nós as vossas cédulas, seja feito o nosso saque, assim na segunda como na sexta-feira. O extrato nosso de cada dia nos dai hoje; perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos a quem nos tem endividado e não nos deixeis sem dinheiro na mão, mas livrai-nos de defeitos no terminal. Amém. Creio no caixa todo-poderoso, criador do autoatendimento, seu único benefício, nosso servidor, que foi concebido pelo poder do banco, nasceu da tecnologia, padeceu sob a assistência técnica, foi desligado, interrompido e reinstalado; desceu à seção dos mortos, reiniciou no centésimo dia; subiu a rampa do ( especificar ), está localizado à direita do ( especificar ), donde há de atender a funcionários e terceirizados. Creio na inviolabilidade da senha de seis dígitos, na segurança das transações virtuais, na interligação dos bancos, na emissão dos extratos, na remuneração d

A sedução da palavra

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Affonso Romano de Sant’Anna “Mas com um escritor a coisa é diferente. Além de a obra ser um veículo, um meio, ela também é um fim em si mesma. Ou seja: ela tem uma finalidade estética, artística, histórica e social. O escritor está voltado fundamentalmente para a questão da linguagem. E é no trato com a frase, com os recursos estilísticos e expressivos, que ele vai aprendendo a reconstruir-se a si mesmo e a refletir sobre o mundo.” “Estou convencido de que o bom texto literário não suporta mentiras. Estou convencido de que o melhor texto literário é aquele no qual o autor expõe o que ele tem de mais essencial, sem se deixar trair, esfriar ou seduzir pelos efeitos da simples técnica. (...) A mim me fascina muito este fenômeno: o da paixão que se converte em linguagem e que comove o outro, apesar mesmo das impurezas técnicas que o texto possa ter.” “É que o escrever, assim como o pintar ou o trabalhar numa atividade qualquer, pode virar uma segunda natureza. O escritor verdadeiro é aquel

Testamento

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Jonas Camargo era um homem muito rico. Escreveu um testamento, mas não teve tempo de pontuá-lo: ‘‘ Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do alfaiate nada aos pobres ”. Até hoje os herdeiros brigam na Justiça, cada um dando uma pontuação diferente ao texto. O sobrinho: “ Deixo meus bens à minha irmã? Não, a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres ”. A irmã: “ Deixo meus bens à minha irmã, não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres ”. O alfaiate: “ Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres ”. Os descamisados: “ Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do alfaiate? Nada! Aos pobres ”. (Texto adaptado de Dicas da Dad , Correio Braziliense , 28/05/03)

Na ponta da língua

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Luci Afonso Ano novo, língua nova: a reforma ortográfica da língua portuguesa fez sua estreia em 1º de janeiro deste ano. Tem gente que apoia a iniciativa porque facilitará a expressão das ideias. Outros creem que só veio complicar. Muita coisa caiu com a reforma, mas quem está preocupado com as mudanças pode ficar tranquilo: a antiga ortografia vale até 2013, bem ao jeitinho brasileiro. Até lá, está tudo em cima. O que mudou? O trema, por exemplo, sucumbiu aos frequentes ataques sofridos ao longo de décadas. Espera-se que a extinção do inofensivo sinal apazigue os ânimos dos seus arqui-inimigos. Na sequência, algumas palavras perderam o acento. Agora, a gente para o carro no aeroporto, pega o avião para Bocaiuva — se houver —, come uma saborosa pera durante o voo e desembarca sem enjoo. E tudo para ir a uma assembleia! A única má notícia, que todos já esperavam, é que o famigerado hífen continua mudando de endereço, sem explicação. Tudo bem que ele não seja mais necessário ao mandachu

O batismo do livro

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Braulio Tavares Ao nomear uma obra, além da relação entre título e conteúdo, deve-se ter em mente a clareza do nome escolhido, para não decepcionar o leitor. Dar título a um livro é como dar nome a uma pessoa, com a diferença de que os nomes são geralmente escolhidos dentro de um repertório já existente. Mesmo com a tendência brasileira para inventar nomes exóticos (Wandergleyson, Carlúcia, Keirrison ou Francicleide, por exemplo), a maioria dos nomes vem desse "dicionário coletivo". Já o nome de um livro tem que ser inventado pelo autor e precisa necessariamente refletir o conteúdo da obra, intensificando-o, comentando-o ou fazendo uma alusão. O filósofo Jacques Derrida já disse que "um título é sempre uma promessa", e eu completaria observando que muitas vezes o leitor nem sabe direito o que lhe prometem, mas está disposto a pagar para ver. Ao intitular um livro, o autor é um pouco como um publicitário. Ele sabe que precisa dar ao editor, ao livreiro e ao leitor um

Aetnãço, Rvesior

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De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. (Dicas da Dad, Correio Braziliense, 17/09/03)

Li e Amei (2007~2008)

MOREIRA SANTOS, WALTHER. "O Ciclista". Romance. Autêntica Editora Ltda, 2008. 1º PRÊMIO JOSÉ MINDLIN DE LITERATURA. (www.autenticaeditora.com.br) (htpp//walthermoreirasantos.blogspot.com) COLASANTI, MARINA. "A Morada do Ser". Editora Record, 2004. Contos. AMARO, ANDRÉ. "Teatro Caleidoscópio: o teatro por-fazer". 2007. Teatro, história e crítica. MACHADO, ANA MARIA. "Texturas: sobre leituras e escritos". Editora Nova Fronteira, 2001. Ensaios. CHIODETTO, EDER. "O Lugar do Escritor". Cosac & Naify Editora, 2002. Fotos de escritores brasileiros. SABINO, FERNANDO. "O Bom Ladrão". Editora Ática, 2008. Novela. TEZZA, CRISTOVÃO. "O filho eterno". Editora Record, 2007. Romance. **VENCEDOR DO PRÊMIO JABUTI 2008, NA CATEGORIA ROMANCE. TELLES, LYGIA FAGUNDES. "Conspiração de Nuvens". Editora Rocco, 2007. Crônicas. MARIA CILENE. "De amor e traição". Thesaurus Editora, 2000. Crônicas. BONFIM, JOÃO BOSCO BEZ