Coriandrum et Petroselinum



Antônio Cardoso Neto

Tanto os sérvios quanto os croatas falam a mesma língua, mas a escrevem de maneiras diferentes. Por imposição católica romana, os croatas usam o alfabeto latino, ao passo que os sérvios utilizam o alfabeto cirílico por determinação ortodoxa bizantina. O Híndi, que se fala na Índia, é a mesma língua que é chamada de Urdu no Paquistão. Mas por ser o Paquistão majoritariamente muçulmano, o Urdu é grafado no alfabeto em que o corão foi escrito: o arábico. Já o Hindi é escrito no alfabeto devanagárico ou Devanágari, que significa, literalmente, “escrita sagrada” em Sânscrito.

De qualquer maneira, o idioma é o som, não a escrita; é como se fala, e não como se registra a fala em um papel. Senão, o sinônimo de “idioma” seria “dedo”, e não “língua”. No frigir dos ovos, essas pequenas diferenças na maneira de escrever, por serem frutos de diferenças maiores, são suficientes para que sérvios e croatas se trucidem mutuamente, da mesma maneira que o fazem paquistaneses e indianos.

Nenhum povo gosta de ser confundido com outro, e talvez seja por isso que haja tanta rivalidade entre povos não muito diferentes entre si. A rixa entre poloneses e russos é brava. Brava e velha, muito anterior aos bolcheviques. E a diferença entre eles não é lá tão grande. Vistos de longe, brasileiros e argentinos são a mesma coisa, tão iguais como, digamos, birmaneses e cambojanos que, aliás, esses sim, não têm nada a ver uns com os outros.

Mas por que é que estou falando disso? Só para lembrar que o povo mais parecido com o português é o brasileiro. Os piadistas de plantão que esperneiem, mas não há no mundo povo mais parecido conosco que os portugueses, o que é muito bom, na minha opinião. Portugal é o único país da Europa cujo povo fala só uma língua. Além disso, fora dos guetos lusófonos de grandes cidades como Paris e Frankfurt (ou Franqueforte, como dizem os patrícios lá da Terrinha), o Português só é falado em Portugal. Daí é que o mapa político de Portugal coincide com o mapa lingüístico e étnico dos portugueses. Já a Espanha é uma zoeira total. Há o Galego, o Catalão e o Basco, além do Espanhol propriamente dito, com seus diversos falares: o Andaluz, o Castelhano (por que não é Castelão em vez de Castelhano?), o Valenciano, o Murciano, o Aragonês e muitos outros. Pode ser que, mais ou menos por conta disso, a América Espanhola tenha virado vinte e tantos países, enquanto a Portuguesa ficou uma coisa só, essa nossa querida bagunça auriverde.

Retomando o fio da meada, quero dizer que a diferença entre um sérvio e um croata é muito maior que entre um gaúcho e um pernambucano. Para os meus ouvidos, o sotaque amazonense não é muito diferente do carioca. Pode-se perceber que ao sul de Belo Horizonte, o fonema erre deixa de ser gutural e passa a ser mole, o erre caipira. Continuando rumo ao sul, o sotaque continua cada vez mais caipira e, de repente, no litoral catarinense, começa-se a ouvir o erre gutural de novo, como no Rio de Janeiro.

Não há dialetos no Brasil e tem pão-de-queijo, feijoada, churrasco e guaraná no país inteiro. Quase todos os brasileiros torcem para um time estadual e para um time do Rio. O Brasil não é somente a principal proeza da navegação portuguesa. Acho que foi o Darcy Ribeiro quem notou que, por ser o mais extenso e populoso país latino do mundo, o Brasil não deixa de ser também a maior conquista do Império Romano, a mais colossal vitória das legiões de César. Pobre César...

Tudo isso leva a crer que nossas parcas diferenças internas jamais farão do Brasil o que foi feito da Iugoslávia. A gente fica contente com isso, pede uma cerveja e um prato com arroz, feijão, bife, ovo frito e salada de tomate, unanimidade nacional. Está tudo muito bem, tudo muito legal, até o momento em que o garçom ¾ ou garção, moço, criado, mancebo, ou seja lá como é que o chamem, a gente não liga para essas picuinhas bairristas ¾ traz um condimento verde para colocar na comida.

Às vezes, isso pode resultar em tragédia. Já ouvi em todo canto gritos furiosos quando isso acontece. Alguns berram “salsinha de novo?”, outros vociferam “até aqui eles colocam coentro?”. Prevejo o dia em que, durante um banquete oferecido a industriais e políticos, alguns comensais virem a mesa aos berros de “chega de coentro”, seguido do desembainhar de peixeiras e de feroz luta corpo-a-corpo. Suo frio quando imagino a revolta popular contra a salsinha nas ruas de Recife, Fortaleza e Salvador. Perco o sono quando penso no encontro dos dois exércitos, na fronteira de Goiás com Tocantins, com os brados de “coentro” e “salsinha” a se alternarem, como os hinos francês e russo na Abertura 1812.

Se a polícia continuar a gastar dinheiro com a destruição de plantações de maconha e a fazer vista grossa com a produção de coentro e de salsinha, ainda vamos acabar mal, muito mal. Depois não me digam que foi por falta de aviso.



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