Almofada de cetim



Maria Amélia Costa

O aparelho celular vibrou no bolso interno do paletó. Era sábado pela manhã, estava em uma reunião de trabalho e não pôde atender. Olhou depois na caixa de mensagens o convite para uma festa. Ficou alegre e surpreso porque há muito não recebia convites. Ligou para confirmar. Doravante o dia ficou mais iluminado e sua participação na reunião, mais ativa. Chegou até a levantar-se e gesticular na defesa de seus argumentos. No corpo uma palpitação e o desejo de encontrar o Alfredinho que decerto estaria lá.

Sorriu olhando com olhos distantes para a colega que, à sua frente, perguntou o que ele achava daquela proposta. Disse-lhe que sim, que era muito interessante e que podiam contar com ele. Nadava em um mar de possibilidades e tudo se revestiu no sabor de uma doce espera.

Durante o resto da manhã escapou em devaneios sobre o seu romance com o Alfredinho. Os olhos fundos nadando em palavras lentas, os dedos bem torneados, o caracol dos cabelos ruivos e sempre com aquele cheirinho de banho recém-tomado, a voz barítono e as pernas cruzadas do Alfredinho. Baladas, noites sem fim, beijo na boca, sanduíche nas madrugadas, almoços prolongados e uma sobremesa para dois: mouse de maracujá com aquelas sementinhas boiando. O Alfredinho adorava cozinhar, nos finais de semana ia para a cozinha e os dois convidavam amigos para almoçar.

Foi sozinho a um restaurante self-service e tendo a emoção lhe tirado o apetite não comeu quase nada, mas deixou-se ficar ali, distraído. Expressava uma surpreendente desenvoltura porque agora havia um convite e já antevia o glamour daquela noite. Ficou muito tempo olhando para a vegetação lá fora e resolveu que usaria a camiseta preta de gola rolê, o jeans justinho e o casaco que o padrasto trouxe-lhe de uma viagem que fez a Nova York. Agradeceu a Deus porque as noites estavam com um friozinho de inverno tropical. Ninguém haveria de estranhar aquele casaco de frio intenso.

Foi saltitando aconchegar-se no apartamento de quarto e sala. Tomou um banhinho rápido, colocou na vitrola um bolero de Ravel, vestiu um pijama curtinho e usou a colônia Chamma da Amazônia preparando-se para sonhar abraçado ao azul de uma almofada de cetim. Aquele final de tarde seria um prelúdio da noite que estava por vir. Dormiu sem sonhos. Antes de levantar fitou o abajur, pensativo: aquele lugar ainda estava impregnado pelo tempo que moraram juntos.

Tomou uma coca e desceu para a rua comercial. Compraria logo um vinho chileno para levar. Detestava sair para festas e ainda ter que passar em supermercados. Havia sempre a sensação de que ali ficaria uma parte dos seus trajes, seu perfume, a performance da ocasião e isso o deixava enciumado.

De volta ao apartamento ligou mais uma vez na amiga para saber quem estaria na festa.
— Bom... Disse-lhe a amiga: A Verônica... lembra? Aquela que você conheceu na casa do Ricardo e que estava toda de preto com cílios postiços enormes?
— Lembro, claro, depois daquele dia eu a encontrei no Café Martinica. Estava com um bofe maravilhoso que vestia preto, também.
— Então... Continuou a amiga: A Suzi, o Gui com o namorado, a Tati com o namorado e mais uma amiga que está de passagem por Brasília; um pessoal do trabalho que você não conhece... E uma pessoa que eu acho que você vai gostar de encontrar: o Alfredinho.

As pernas tremeram com aquela confirmação e, de repente, uma coisa estranha no estômago. Depois do telefonema fitou o abajur aceso e sentiu medo. Não, não estava preparado para encontrar o Alfredinho... Andou até a janela e se debruçou sobre o vazio lá de fora. Já era noite, havia faróis, gente indo e vindo, roupas na vitrine, guardador de carros, pão quente na padaria, solidão. O Alfredinho estaria lá. Dedos torneados, olhos fundos, pernas cruzadas e aquela capacidade de se fazer distante e ao mesmo tempo envolver tudo. Que tortura. E que doce agonia. Água, precisava tomar água. Não, melhor uma coca. Tomou água. Depois tomou coca.

Vestiu-se e sentou no sofá de dois lugares. Pensou e ligou outra vez para a amiga para dizer que não poderia ir que lamentava muito, mas houve um imprevisto e, por favor, me desculpe. Mas não disse nada disso, apenas perguntou se já havia chegado alguém e que iria demorar um pouco porque acabou de acordar depois do cansaço de uma manhã de trabalho. A voz estava trêmula, sabia. Ficou mais um tempo sentado sentindo o peso daquela coisa estranha no estômago. Tomou outra coca encostado na pia da cozinha. Lembrou com o olhar fixo na borda o maravilhoso talharim que o Alfredinho preparava nas manhãs de domingo enquanto trocavam olhares carinhosos, deslizavam para o sofá da sala e ali mesmo faziam amor.

No caminho quis pensar em algo. Chegaria alegre e desenvolto e diria o quanto está bem, trabalhando, viajando muito, sim, namorando também, diria encabulado se perguntassem, mas o namorado não estava se sentindo bem, uma gripe forte o colocara de cama — completaria olhando para o lado. Subiu pela escada até o terceiro andar. Chegou suando embaixo do casaco nova-iorquino. A amiga ofereceu bebida, seja bem-vindo, fique à vontade e apresentou-o aos que ali estavam. Depois se afastou para outro canto da sala onde havia um animado grupo discutindo sobre as delícias da comida árabe. Ele aproximou-se de tudo olhando em volta, procurando. Precisava mesmo de uma bebida.

Uma sensação de desconforto o invadiu e tudo em si pareceu inadequado: a gola rolê, o casaco quente, o cabelo curtinho, a calça justa, a taça de vinho. Cambaleou para perto de um casal conhecido e disse qualquer coisa para disfarçar. Tomou mais vinho. Sorriu e pediu licença para ir ao banheiro. No espelho a imagem desfocada. Demorou muito tempo olhando a imagem. Ao sair aproximou-se da dona da casa e disse alguma coisa junto ao ouvido dela, despediu-se do casal e foi embora.

Dormiu cedo demais e acordou na madrugada com o barulho da tv refletindo no amarelo reflexo da almofada de cetim.

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