Aperto



Luci Afonso

Em tempos de hiperendividamento, é bom tomar alguns cuidados na hora de consumir ou de ser consumido.

Automóvel. Se você não ultrapassa os 80 quilômetros por hora, só usa o carro durante o dia, não dirige com chuva e nunca sai do Plano Piloto, resista à tentação de comprar, em 48 prestações altíssimas, um modelo superesporte, motor 1.8, faróis de milha, rodas de liga leve e outros acessórios que nunca aprenderá a usar. Há o risco de atrasar as prestações e ter que repassar o veículo pelo preço que conseguir achar na Cidade do Automóvel, antes que o Oficial de Justiça apareça com o mandado de busca e apreensão.

Transporte alternativo. Se a situação acima se concretizar, passe a utilizar o serviço de radiotáxi para se locomover. Escolha um bom livro para ler enquanto aguarda e exija sempre os 30%, mesmo que o motorista seja uma besta e finja não saber que o desconto é obrigatório. Por precaução, vá pesquisando os trajetos, tarifas e horários dos zebrinhas e circulares, caso a situação se agrave.

Eletrodomésticos. Se você não dispõe de tempo nem de paciência para assistir à TV, evite adquirir uma LCD, 42 polegadas, conectável a todos os tipos de mídia existentes. Provavelmente, você só ligará a antena coletiva, o DVD e a televisão a cabo, para sua mãe usar duas vezes por semana, quando vier cuidar do neto. Na remota possibilidade de precisar vender o aparelho, anuncie nos classificados de domingo, levante-se às 5 da manhã para atender às ligações e aceite a oferta do primeiro casal que aparecer. No mesmo dia, convide seu ex-marido para almoçar e, enquanto serve o frango assado com farofa (16 reais na Só Frango), pergunte que fim levou a televisão de tubo, 29 polegadas, que você lhe deu ano passado.

Doações. Cancele todas as contribuições a entidades beneficentes e esclareça que não tem previsão de quando poderá ajudá-las novamente. Se as voluntárias continuarem ligando, não se comova com a entonação dramática nem se deixe seduzir pelos elogios desinteressados que elas certamente farão à sua bondade e desprendimento.

Parentes. Não importa o quanto você ame seus familiares, não assuma compromissos por eles. Afeto e finanças são uma combinação explosiva. Se um parente deixar de cobrir um cheque que você emprestou ou de pagar um empréstimo que você fez para tirá-lo do sufoco, o prejuízo será enorme, assim como a chateação de fingir que nada aconteceu. Desconfie, principalmente, de ascendentes de primeiro grau, que na hora do favor agradecem com os olhos brilhantes e a expressão “Deus lhe pague”, mas, na hora da cobrança, sentem-se ofendidos e juram nunca mais fazer negócios com você.

Esses são os principais perigos. Há outros, mas o zebrinha vem chegando e preciso tomar cuidado para não perdê-lo.

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