Os riscos do métier
Affonso Romano de Sant’Anna
Escrever é atividade de alta periculosidade. Muitos se feriram, inúmeros morreram e morrem por causa disto.
Um dos riscos mais sutis é o de não saber ouvir sua própria voz de criador. Por mais bela que seja a voz do outro, ela não é a minha. O criador deve ter a humildade de soprar, murmurar ou cantar seu próprio canto.
Outro é o de acompanhar a moda artística. Esta é a literatura de surfista. A escrita depende das ondas.
Outro risco: a luta contra o maneirismo que advém após a aquisição de um estilo pessoal. O artista se empenha por adquirir sua linguagem e deve continuar a lutar para que ela não se transforme num recurso automático de expressão. Caso contrário, o artista será o imitador de si mesmo e, neste caso, ele deixa de ser um criador.
É preciso estar atento contra a exacerbação teórica. A teoria em excesso mata o criador. É uma tarefa dura e delicada o despojar-se dos conhecimentos teóricos durante o voo da criação.
Do ponto de vista ético, o grande risco é a infidelidade, ou seja, a dispersão. A arte não tolera meios amores, ela é monogâmica e possessiva.
Finalmente, é preciso não cansar o leitor. Aborrecer seu público é um risco que sobretudo o cronista deve evitar.
(Trechos de crônica publicada no livro A sedução da palavra, Editora Letraviva, 2000. Imagem: http://professortexto.blogspot.com/)
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