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Mostrando postagens de outubro, 2018

Tamo sempre junto

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Luci Afonso Tamo sempre junto , dizia o bilhete no buquê de rosas vermelhas sobre a mesa da sala. Quando recebi a notícia, peguei a bolsa e saí correndo para a rodoviária, sem levar uma mala sequer. Passei muito tempo sem perceber a loucura do meu gesto. O trajeto até Araxá era de nove horas. Fazia frio, mas eu também esquecera o agasalho. Só conseguia pensar no meu primo. Nossos nomes eram parecidos, não por coincidência. Foi um gesto dos nossos pais para selar o afeto mútuo. Nasci primeiro e, apenas dois meses depois, aquele que seria o grande amor da minha vida. Foi um acontecimento cósmico: dois seres destinados um ao outro se reencontravam. Pelo menos, era nisso que eu acreditava.       Logo que desci do táxi, avistei-o no fundo do salão. Eu viajara a noite inteira para estar ao seu lado naquele momento. Ele não chorava como os outros; ria e falava alto, como se estivesse em choque. No prazo de um ano, ele perdera a mãe, debilitada pela longa doença, a esposa, po

Sujou, lavou

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Luci Afonso Ele chegou ao meio-dia, como de costume, para fazer o almoço. Daí a instantes, me chamou: — Tenho uma surpresa pra você — ele disse com calma. — Aqui na cozinha. Levantei-me depressa e corri para ver o que era. — Ali no chão — ele mostrou. Ele colocara uma pilha de louça para lavar dentro de um balde. — Você sabe a regra: sujou, lavou. Eu não faço almoço com a pia suja. Eu me apaixonara por meu primo numa madrugada fria de Ano Novo. Estávamos sentados debaixo da Árvore dos Enforcados, um ponto alto de onde se avistava a cidade adormecida. A neblina ofuscava as luzes lá embaixo, tornando o momento mágico. A árvore, ponto turístico muito visitado, morreu e foi cortada ano passado. Nada resta do lamento dos escravos que, segundo a lenda, eram enforcados nos galhos grossos e nus. Eu também morri nos três anos que se seguiram. Meu corpo engordou, meu cabelo secou, meu sorriso adoeceu. Não escrevi uma palavra sequer. Não procurei nenhum amigo. Em busca d

Ô 2º Ano!

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Luci Afonso Observem que cada uma das formas verbais destacadas ... — Ô 2º Ano! ...transmite uma noção temporal diferente. — Henrique, senta! Na primeira fase, as formas verbais... — Dá licença, 2º Ano! ...se referem a fatos que já aconteceram. — Sentada, Giovana! Na segunda, a forma verbal... — Só um minutinho, Cauã... ...se refere a algo que ocorre... — Bruna, por favor! ...no momento em que se fala... — Daniel, perdeu um ponto. ...enquanto a forma “viverei”... — Gente, agora é minha vez. ...se refere a um fato que vai ocorrer. — Senta, Marcos. Os verbos apresentam... — Bianca, perdeu um ponto. ...flexão de tempo... Shhhh shhhhh ...nos modos indicativo e subjuntivo . — Dá licença, gente. A voz do verbo indica... — Victor... ...o tipo de relação que o sujeito... — Camila... ...mantém com o verbo. —Shhhh shhhh... São três as vozes... — Hoje eu não tô boa, 2º Ano!

As palavras

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Luci Afonso O primeiro canto da cigarra este ano foi em 19 de setembro, às 17 horas e 50 minutos. Desta vez, não me trouxe alento. Durante toda a minha vida adulta, esse canto inicial me dava coragem. Hoje ele não é suficiente: quero também a chuva para dormir; a voz da mãe para acalentar; o riso do filho para valer a pena; as pessoas para me cuidarem; as palavras para me ressuscitarem. Eu e as palavras é uma longa história. Não sei quando começou, nem quando vai acabar. Andam magoadas comigo, porque eu lhes disse que não as amava mais. Menti para que não sofrêssemos. Não nos encontramos há meses. Eu as julgava perdidas, mas, de repente, me vi pensando nelas, nos momentos que passamos juntas sem sentir as horas, sem nos importar se era dia ou noite, sem precisar de ninguém. As palavras poucas e belas. As tranquilas, as nervosas, as instigantes. Puras ou não, fortes, sempre fortes, segurando-me as mãos. Com elas aprendi o amor incondicional. A recompensa da espera. O

Pele Neve

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Luci Afonso Desde muito jovem assisto a filmes que se passam em Nova York. Eu sonhava conhecer a cidade, e o fiz no mesmo ano em que realizei outro sonho, o de me formar na faculdade. Como presente de aniversário, me dei oito dias na Big Apple. Era inverno. Em 9 de janeiro, eu caminhava pela deslumbrante Times Square quando minha idade chegou em flocos de neve e se colou à minha pele com delicadeza e carinho. Em vez de sentir frio, tive o corpo invadido por uma onda de calor – não o do sol abrasador de uma praia, mas o das chamas que se extinguem aos poucos numa lareira no alto da serra. Estava protegida, inteira, confortável. Então, isso eram os 60 ? — me perguntei. Ninguém me falara dessa plenitude, desse pertencimento, dessa certeza de quem sou e do que estou fazendo no mundo. Enfrentar 10 graus negativos num país estrangeiro era uma grande aventura. Senti-me em casa. O frio intenso era quase palpável e compartilhado por milhares de moradores e visitantes agasalhados c

Meio brilho

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Luci Afonso Minha alegria, em geral, é pouca. Sorriso de lábios fechados, olhos a meio brilho, esperança discreta. Sem risadas inconvenientes. Sem pulos de contentamento. Corpo contraído, voz cuidadosa para não soar alta demais. Pés grudados no chão, braços relutantes em alçar voo. Mas, às vezes, meus olhos brilham inteiros, meus lábios se abrem num riso incontrolável, minha voz atravessa as paredes e chega aos ouvidos do último morador da Terra. Arrisco um voo rasante sobre as paisagens do mundo. Sou pássaro em busca de asa. Em geral, não dou conta de muito amor. Tem que ser comedido, não ultrapassar os limites da minha segurança. Não pode invadir espaços trancados por longo tempo. Não pode ser o principal alimento em todas as refeições. Não pode ser tudo. Mas, às vezes, envolvo a pessoa amada numa fina teia de seda, que vou espalhando para abrigar o sentimento de todos os seres. Não tenho chaves para abrir ou trancar portas. Estas se tornaram vórtices azulados que me