As palavras
Luci Afonso
O primeiro canto da
cigarra este ano foi em 19 de setembro, às 17 horas e 50 minutos. Desta vez, não
me trouxe alento. Durante toda a minha vida adulta, esse canto inicial me dava coragem.
Hoje ele não é suficiente: quero também a chuva para dormir; a voz da mãe para
acalentar; o riso do filho para valer a pena; as pessoas para me cuidarem; as
palavras para me ressuscitarem.
Eu e as palavras é uma
longa história. Não sei quando começou, nem quando vai acabar. Andam magoadas
comigo, porque eu lhes disse que não as amava mais. Menti para que não
sofrêssemos.
Não nos encontramos há meses.
Eu as julgava perdidas, mas, de repente, me vi pensando nelas, nos momentos que
passamos juntas sem sentir as horas, sem nos importar se era dia ou noite, sem precisar
de ninguém.
As palavras poucas e belas.
As tranquilas, as nervosas, as instigantes. Puras ou não, fortes, sempre
fortes, segurando-me as mãos. Com elas aprendi o amor incondicional. A
recompensa da espera. O afeto recíproco.
Mandei-lhes um convite,
elas aceitaram. Nossa amizade resistiu ao silêncio. Tomaremos uma taça de
vinho, planejaremos frases, parágrafos, textos inteiros.
Chego mais cedo e espero.
Quando vierem, eu lhes direi com delicadeza:
— Perdoem minha ausência.
Tomem seus lugares.
Então voltaremos ao
coração do mundo.
Imagem: https://pxhere.com/pt/photo/637740
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