Pele Neve
Desde muito jovem assisto a filmes que se
passam em Nova York. Eu sonhava conhecer a cidade, e o fiz no mesmo ano em que
realizei outro sonho, o de me formar na faculdade. Como presente de aniversário,
me dei oito dias na Big Apple.
Era inverno. Em 9 de janeiro, eu caminhava
pela deslumbrante Times Square quando minha idade chegou em flocos de neve e se
colou à minha pele com delicadeza e carinho. Em vez de sentir frio, tive o
corpo invadido por uma onda de calor – não o do sol abrasador de uma praia, mas
o das chamas que se extinguem aos poucos numa lareira no alto da serra. Estava
protegida, inteira, confortável. Então,
isso eram os 60? — me perguntei. Ninguém me falara dessa plenitude, desse
pertencimento, dessa certeza de quem sou e do que estou fazendo no mundo.
Enfrentar 10 graus negativos num país
estrangeiro era uma grande aventura. Senti-me em casa. O frio intenso era quase
palpável e compartilhado por milhares de moradores e visitantes agasalhados
contra a neve que se acumulara nas ruas e que, misturada à terra, virava uma
espécie de areia suja e escorregadia.
Sempre que voltava ao hotel, eu corria para
o computador. Comecei várias crônicas, que só estou acabando agora, meses após o
retorno ao Brasil. Não tive fôlego para registrar a emoção de me descobrir cidadã
nova-iorquina, verdadeira protagonista de um filme de Hollywood. Tampouco conseguia
retratar a luta pré-histórica em que se transformava a caminhada noturna depois
da nevasca mais forte em cinquenta anos. O frio intensificava o aconchego que
eu sentia ao entrar num lugar aquecido e lotado com falantes de todas as
línguas.
A festa de aniversário foi
inesquecível. Comemorei
meus 60 anos com pessoas do mundo inteiro, com as quais reparti o bolo coberto
com neve. O primeiro pedaço foi para Deus.
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