Meio brilho



Luci Afonso

Minha alegria, em geral, é pouca. Sorriso de lábios fechados, olhos a meio brilho, esperança discreta. Sem risadas inconvenientes. Sem pulos de contentamento. Corpo contraído, voz cuidadosa para não soar alta demais. Pés grudados no chão, braços relutantes em alçar voo.
Mas, às vezes, meus olhos brilham inteiros, meus lábios se abrem num riso incontrolável, minha voz atravessa as paredes e chega aos ouvidos do último morador da Terra. Arrisco um voo rasante sobre as paisagens do mundo. Sou pássaro em busca de asa.
Em geral, não dou conta de muito amor. Tem que ser comedido, não ultrapassar os limites da minha segurança. Não pode invadir espaços trancados por longo tempo. Não pode ser o principal alimento em todas as refeições. Não pode ser tudo.
Mas, às vezes, envolvo a pessoa amada numa fina teia de seda, que vou espalhando para abrigar o sentimento de todos os seres. Não tenho chaves para abrir ou trancar portas. Estas se tornaram vórtices azulados que me arrastam ao fundo do universo.
Minha alegria é santa, meu amor é sagrado. Um recém-nascido me devolve ao seio materno, em vislumbres de pele e afeto. Um velho carrega o olhar construído por Deus. A voz de um filho faz vibrar todos os sentidos. Sou alma de volta a casa.



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