Tamo sempre junto
Luci Afonso
Tamo
sempre junto, dizia o bilhete no buquê de rosas
vermelhas sobre a mesa da sala.
Quando recebi a notícia,
peguei a bolsa e saí correndo para a rodoviária, sem levar uma mala sequer. Passei
muito tempo sem perceber a loucura do meu gesto. O trajeto até Araxá era de
nove horas. Fazia frio, mas eu também esquecera o agasalho. Só conseguia pensar
no meu primo.
Nossos nomes eram
parecidos, não por coincidência. Foi um gesto dos nossos pais para selar o
afeto mútuo. Nasci primeiro e, apenas dois meses depois, aquele que seria o
grande amor da minha vida. Foi um acontecimento cósmico: dois seres destinados
um ao outro se reencontravam. Pelo menos, era nisso que eu acreditava.
Logo que desci do táxi,
avistei-o no fundo do salão. Eu viajara a noite inteira para estar ao seu lado
naquele momento. Ele não chorava como os outros; ria e falava alto, como se
estivesse em choque. No prazo de um ano, ele perdera a mãe, debilitada pela
longa doença, a esposa, por um câncer descoberto em estágio avançado, e agora,
o pai, por complicações no coração. Perdas demais, em muito pouco tempo.
— Patescão... — ele
dizia, olhando de longe o corpo cercado de flores. Tive vontade de abraçá-lo e
dizer “Está tudo bem”, mas ainda não havia
intimidade para isso. Fiquei perto dele em silêncio, até que chegou a hora do
sepultamento. Ele me chamou para ir em seu carro. Sentei-me no banco de trás,
enquanto a filha ia na frente.
O cortejo atravessou a
cidade, na manhã de sol, em direção ao novo cemitério. Não havia tristeza em
nenhum semblante, apenas saudade. Os
outros motoristas paravam os carros, respeitosos, e aguardavam a passagem. Tio
Patesco era um homem alegre e bem-humorado, que sempre via o lado cômico da
vida. Muitos amigos vieram se despedir e lembraram histórias.
— Só tenho três
problemas: morbidez orgânica, conflito familiar e decadência social — ele
brincava, quando comentavam a pobreza em que ele vivia.
“Não há vagas” — foi o
aviso que ele colocou no telhado de casa, quando esta foi invadida por filhos e
netos.
Descansei durante o dia
e, à noitinha, liguei para saber como meu primo estava. Ele disse que estava
bem e perguntou se eu queria sair para conversar. Aceitei de imediato, o
coração aos pulos. Peguei uma roupa emprestada da minha tia e o esperei no
portão. A pontualidade era uma de suas qualidades. Exatamente às 20 horas, o
Fiat vermelho caindo aos pedaços apontou na esquina. Fomos ao Polo Norte, única
lanchonete que servia o famoso sanduíche de filé.
Estávamos ambos confusos.
Ele falava em amizade, eu já insinuava amor. Era um delírio doce: não notamos
que não fazíamos sentido. Eu, principalmente, parecia louca. Contei-lhe que
tinha vontade de me casar e que escolhera uma igreja simples da cidade para a
cerimônia.
— E o noivo? — ele perguntou.
— É você — respondi. —
Quer casar comigo?
Nós dois rimos. Estávamos
desesperados, sedentos de vida. O pai havia sido sepultado naquela manhã, e a
esposa, há apenas dois meses. A morte ao nosso redor só acentuava nosso
sentimento. Continuamos fazendo planos: viajar juntos, visitar parentes que não
víamos há muito tempo, conhecer outros países. Em resumo, ser felizes. Nosso
desejo recíproco despertou com uma força que éramos impotentes para conter. Combinamos de nos encontrar novamente no dia
seguinte. Um beijo tímido encerrou a noite.
A família estranhou a
rapidez com que decidimos morar juntos. Hoje entendo que tínhamos pressa em
recuperar o tempo passado longe um do outro, enquanto era possível. Sentíamo-nos doentes e envelhecidos. Mudamo-nos para um apartamento com uma vista
maravilhosa. Cada janela era voltada para uma parte da cidade: víamos a Igreja
Matriz e a Estação de Ferro. Parecia um sonho. Nunca fui tão feliz quanto
naqueles primeiros dias. Finalmente eu havia encontrado quem me faltava.
A ilusão se esfacelou
rapidamente. Em menos de um mês, tivemos a primeira briga. Voltei triste para
casa. Em alguns dias, reatamos, e eu estava de volta. Assim foi todo o tempo.
Passei longas noites viajando, ida e volta, ida e volta, ida e volta. Não esqueço
a emoção de chegar à pequena rodoviária e vê-lo me esperando. A paixão se
renovava toda vez que isso acontecia.
Passados três anos, tento
entender o que ocorreu. Meu primo se tornou uma parte de mim, eu sou uma parte
dele. Ele me comove de uma maneira que não posso explicar. Não conseguimos
ainda nos libertar dos nossos laços. A vida parece deserta sem ele, e tenho de
usar toda a força do meu pensamento para me convencer de que nosso amor não tem jeito, afinal,
estamos a 600 quilômetros de distância. Tento me distrair de todas as formas,
mas é nele que penso antes de pegar no sono. É ele que me vem à lembrança
quando ouço uma música bonita ou quando o céu está muito azul. É sua voz que ouço
no silêncio, é sua pele que se impregnou na minha.
Tenho medo de algum dia
receber a notícia de sua morte. Como
naqueles filmes de guerra, em que a mulher recebe uma carta comunicando que o
marido morreu em combate. Não haverá nada a fazer, apenas sentir saudade.
Imagem: https://br.depositphotos.com/83711436/stock-photo-kids-love-couple-after-the.html
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