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Mostrando postagens de 2013

Ser escritor

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  Cristovão Tezza   Um amigo me disse que acha o maior barato como sou definido na coluna: “Fulano é escritor”. Por incrível que pareça, essa profissão exerce uma misteriosa atração nas pessoas. Há algo de sobrenatural na condição de escritor, um “atestado de diferença” que põe o leitor imediatamente em guarda, ou com uma admiração inexplicável, ou com uma justificada desconfiança. O escritor, como o espião, exerce uma atividade secreta. Reconhecemos de imediato os advogados, os engenheiros, os enfermeiros, os garis, os médicos (e até mesmo os deputados e vereadores, por um deslocamento de sentido, já que eles apenas cumprem funções por um período de tempo) como profissionais regulamentados, definidos claramente por um conjunto de regras que vão desde o aprendizado formal, chancelado pelo Estado, até a entrega de um diploma que nos autoriza a ser o que somos   Mas quem nos “autoriza” a ser escritores? Começa por aí. Minha profissão é uma fraude, ou, dizendo de outro modo,

O nascimento da crônica

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Machado de Assis Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue ; está começada a crônica.  Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, p

Oração do Novo Leitor

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Arte: Eudaldo Sobrinho e Felipe Cavalcante Luci Afonso Às professoras e alunos do EJA Palavra Nossa Palavra Nossa, que derramais o Mel, Significado seja o Vosso Nome. Venha a nós a Vossa Linguagem Seja feita a Vossa Verdade, Assim na voz como no papel. O Sentido nosso de cada dia dai-nos hoje. Abençoai as sentenças Que temos aprendido Salvai nossa imaginação Fortalecei o que graças a Ti Compreendemos.  Amém. Eu sou digno Senhor, eu sou digno de que o livro entre em minha alma; lerei uma só palavra e serei salvo. Herdeiro de Deus Herdeiro de Deus, Que lançais o poema no mundo, Semeia a Palavra em nós. Herdeiro de Deus, Que lançais o poema no mundo, Dai-nos a Voz. Novembro de 2013

Pequeno improviso para Miliane

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Luci Afonso Escuta escuta escuta. Poesia poesia poesia. Roda roda roda. Feliz feliz feliz. Anda anda anda. Agora agora agora. Ensino ensino ensino. Aprendo aprendo aprendo. Palavra fome palavra fome palavra fome. Atenção atenção atenção atenção atenção atenção. Fala fala fala. Nasce nasce nasce. Vive. Vive. Vive. Ora. Outubro de 2013

A segunda cigarra

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Luci Afonso Levanta, filho! A manhã está fresca com a chuva da noite. O céu de tão azul parece pintura. A grama ainda está úmida, há poças dágua no parquinho. As crianças estão começando a descer. Lembra o Tavinho? Já está andando: dá uma corridinha, para, corre de novo, às vezes cai. A avó, preocupada, fica atrás dele. Os dois dão uma corridinha, param, correm mais um pouco. Tem babá nova no prédio, daquele menino chorão que eu não sei o nome. Acho que é Pedro. Dona Rita viajou de novo para ver a irmã doente. Vou fazer uma visitinha ao Seu Inácio, coitado, ficou sozinho. Escutou a primeira cigarra, filho? Foi ontem antes da chuva. Todo ano dizem que elas vão ser extintas, todo ano elas voltam! Já pensou, acabar essa cantoria que a gente adora? A Dévon ficou doida na janela, querendo pegar o bichinho. Vamos achar uma pra ela brincar? Preciso lembrar de pedir ração. Também é hora da vacina. Abriu uma clínica ali na quadra. Peguei o cartão, tem um nome engraçado. Consegu

Meu ideal seria escrever...

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Rubem Braga  Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".  Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aum

Elas disseram...

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Foto: Márcia Oliveira Amei seu livro "Velhota, eu?". Torcia para que não acabasse nunca! Maravilhoso! Beijos Vânia Moreira Diniz Querida Luci, só hoje li o novo Velhota. Adorei, adorei. Ri sozinha e chorei escondida enquanto pintava meu cabelo no salão... Beijos e muito obrigada. Maria Célia Corrêa Muito sucesso, moça. O livro é maravilhoso. Olivia Maria Maia Querida Luci Afonso, estou amando o presente que você me ofereceu: a sua obra Senhora dos Gatos – literatura de excelência. Onã Silva Olá, Luci, recebi o novo Velhota e fiquei louca de alegria, ainda mais vendo o meu texto na orelha. Já o indiquei para uma aluna minha para que trabalhe com os educand@s jovens e adultos na escola onde ela está estagiando. Li para ela uma das minha crônicas preferidas: Barriguda. Ela adorou. Beijo grande e parabéns por tamanha belezura com que nos presenteia.  Miliane Benício 

Canto das Letras

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É hoje! Participe deste agradável encontro com a literatura e a música brasiliense. Apresentação: Marco Antunes.

Novo Velhota, eu?

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                                           Arte: Eudaldo Sobrinho e Patrícia Meschick O lançamento foi um sucesso e uma delícia! Comentário da escritora Fátima Bueno: Bom dia, Luci,   Ontem, quando cheguei do lançamento, li de uma vez o Senhora dos gatos e fui adiante no Velhota, eu? Gostei muito!  Ri, fiquei emocionada, surpresa, intrigada, entre outras reações. É isso que a boa escrita revela, o dom de mexer com nossa emoção.   Além do mais, sou também uma senhora dos gatos, sempre os tenho por perto, na verdade gatas, uma de cada vez, e as considero companhias indispensáveis…   beijos   Fatima

56º Sarau da Câmara dos Deputados

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CASA GRANDE & SENZALA e as três raças tristes Homenagem aos 80 anos de publicação da obra de Gilberto Freyre

Delicioso cupcake

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Depois de vários meses no forno, saiu quentinha a segunda edição do Velhota, eu?, com belo projeto gráfico dos jovens designers Eudaldo Sobrinho e Patricia Meschick (vencedora do Prêmio Jorge Salim de Excelência Gráfica 2013, categoria Design Gráfico, pelo livro Senhora dos Gatos).  São quinze novas crônicas, além daquelas que os leitores já amam, como "Barriguda", "Antiginástica", "Sexo, mentiras e pão de queijo". Lançamento em breve deste delicioso cupcake.

Antologia bilíngue Pensieri in Parole

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Pela primeira vez vou participar de uma antologia internacional, com meu texto "Noiva" traduzido para o italiano. Iniciativa da A.C.I.M.A. - Associação Cultural Internacional Mandala, com sede na Itália.

3º Encontro Literário do Lago Norte

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Com a escritora Kelly Vyanna Foi um prazer participar do evento promovido pelo Sindicato dos Escritores do Distrito Federal e conhecer escritores que são verdadeiros militantes poéticos.

Senhora dos Gatos ganha prêmio

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Senhora dos Gatos acaba de ganhar o Prêmio de Excelência Gráfica Jorge Salim edição 2013 na categoria Designer Gráfico, além de ter sido finalista na categoria Livros de Textos.  O livro foi impresso pela Athalaia Gráfica e Editora. Considerado um dos mais importantes eventos gráficos do país, o prêmio é outorgado pelo Sindicato das Indústrias Gráficas (Sindigraf-DF) e pela Associação Brasileira de Indústrias Gráficas (Abigraf-DF).  A equipe de criação contou com Patrícia Meshick, ganhadora do prêmio Designer Gráfico; com Lelo, ilustrador; e com Márcia Bandeira, ilustradora e diretora de arte. Patrícia Meschick, vencedora do prêmio Lelo e Márcia Bandeira

Se a catraia não virar

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É hoje!  Do fundo do rio vem a voz acreana de Olivia Maria Maia, nos convidando a embarcar nessa catraia cheia de emoção. Conheça textos de Olivia Maria Maia neste blog, no respectivo marcador à direita. E, se tiver coragem,  venha fazer a travessia que nos propõe a autora!

AMANHÃ - CANTO DAS LETRAS

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Se a catraia não virar

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Exitus letalis

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Rubem Fonseca Em matéria de leitura eu sou onívoro, ou polífago, se preferem. Leio tudo o que aparece na minha frente. Mas as duas leituras preferidas por mim são, respectivamente, poesia e bula de remédio. Guardo, ou guardava todas as bulas dos remédios que eu consumia (mas não sou hipocondríaco), e fiquei muito desgostoso quando a caixa cheia delas sumiu. Até hoje não sei se alguém a furtou (havia bulas não apenas em português, mas em inglês, francês, espanhol e alemão; muitas vezes eu comprava um remédio só para ter uma bula, mesmo se fosse em uma língua com a qual eu estivesse pouco familiarizado) ou se foi uma vingança soez de algum inimigo, ou excesso de zelo de alguma faxineira ao limpar o chamado Quarto dos Macacos, um cômodo que tenho na minha casa. O que aconteceu, o sumiço da caixa de bulas, é um mistério. Ela não possuía qualquer valor de mercado, e eu não tenho inimigos, ainda mais tão terríveis a ponto de fazer um agravo dessa natureza, roubar um bem que me era

O romance morreu?

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Rubem Fonseca Muito antes de publicar o meu primeiro livro eu já ouvia dizer que o romance e o conto estavam mortos. Parece que a primeira morte teria sido anunciada ainda em 1880, não obstante, como todos sabem, Emily Dickinson, Tchekov, Proust, Joyce, Kafka, Maupassant, Henry James, o nosso Machado, Eça, Mallarmé, as Bronte, Fernando Pessoa (um pouco mais tarde) estivessem ativos naquela época. No início do séc. XX, com o lançamento, por Henry Ford, do Ford Model T, um automóvel popular, construído numa linha de montagem, um carro barato que em poucos anos vendeu mais de quinze milhões de unidades, as Cassandras afirmaram que agora a literatura de ficção, na qual se incluía a poesia, estava mesmo com os dias contados. Dentro de pouco tempo todas as pessoas teriam automóvel e usariam o carro para passear, fazer compras, namorar em vez de ficarem em casa lendo. Ou porque não soubessem o que lhes reservava o futuro, ou lá porque fosse, o certo é que muitos escritores, co

Não existem trezentos poetas

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Rainer Maria Rilke (...) Estou sentado e leio um poeta. Há muitas pessoas no salão, mas não as notamos. Elas estão nos livros.   Às vezes se movem nas páginas como se estivessem dormindo e se virassem entre dois sonhos. Ah, como é bom estar entre pessoas que leem. Por que não são sempre assim? Você pode se aproximar de uma delas e tocá-la de leve: ela não sente nada. E se, ao levantar, você encosta um pouco em seu vizinho e se desculpa, ele inclina a cabeça para o lado em que ouviu a sua voz, seu rosto se volta na sua direção e não o vê, e seu cabelo é como o cabelo de alguém que dorme. Como isso faz bem. E estou sentado e tenho um poeta. Que sorte. Agora talvez haja trezentas pessoas lendo no salão; mas é impossível que cada uma tenha um poeta. (Sabe Deus o que elas têm.) Não existem trezentos poetas. (...) Rainer Maria Rilke. Os cadernos de Malte Laurids Brigge . L&PM, Porto Alegre, RS, 2010, p. 32.

O que é conto e o que é crônica?

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Marco Antunes Quero dirimir um pouco das dúvidas sobre o que é conto e o que é crônica. O assunto é difícil mesmo. A coisa se dá em terreno ambíguo muitas vezes, mas, como sempre digo para meus alunos, nenhum autor está escrevendo e de repente interrompe porque queria escrever uma crônica e lhe saiu um conto. A importância disso é epistemológica somente. Percebam, conto está centrado na ação, no conflito desenvolvido pela narrativa, preservando quatro unidades, segundo Massaud Moisés: a de espaço (um conto procura situar-se em poucos cenários, feito uma peça de teatro); a de tempo (como o conto é breve por definição, raramente se faz um bom conto com cortes no tempo, dando saltos na história, etc.); a de ação (o conto é avesso a peripécias narrativas, ao vaivém, a saltos, a desmembramentos cronológicos — começa e vai até o fim sem desvios) e, por último, a unidade mais importante: a unidade de tom — o conto tem que causar uma única impressão, que pode ser de humor, terror

Vai ficar tudo bem

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Luci Afonso O que impressiona, à primeira vista, é a gentileza espontânea com que acolhe todas, da mais humilde à mais elegante. — Como vai?— faz questão de levantar-se da sua mesa e d e recebê-las na antessala, com o forte aperto de mão e o sorriso aberto. É um especialista famoso, mas mantém uma simplicidade comovente. Está à vontade entre miomas, cistos e calcificações. Contornos imprecisos não o confundem. Linfonodos patológicos não o assustam. Imagens sólidas hipoecogênicas, ele as decifra sem hesitação. Tumores, ele os encara com a firmeza e a competência de quem sabe removê-los. Seu entusiasmo é reconfortante. Sua confiança é uma manta de lã numa noite fria. — Não se preocupe, vai ficar tudo bem — ele costuma dizer às pacientes aflitas. Salvou-me de três diagnósticos errados, que me causaram uma angústia e um desespero intensos. Imagino que, como eu, muitas encontraram nele o alívio da dor que se experimenta ao se confrontar uma doença fatal. Há muitos ano