O que é conto e o que é crônica?
Marco
Antunes
Quero
dirimir um pouco das dúvidas sobre o que é conto e o que é crônica.
O assunto é difícil mesmo. A coisa se dá em terreno ambíguo muitas vezes, mas,
como sempre digo para meus alunos, nenhum autor está escrevendo e de repente
interrompe porque queria escrever uma crônica e lhe saiu um conto. A
importância disso é epistemológica somente.
Percebam, conto está
centrado na ação, no conflito desenvolvido pela narrativa, preservando quatro
unidades, segundo Massaud Moisés: a de espaço (um conto procura situar-se em
poucos cenários, feito uma peça de teatro); a de tempo (como o conto é breve
por definição, raramente se faz um bom conto com cortes no tempo, dando saltos
na história, etc.); a de ação (o conto é avesso a peripécias narrativas, ao vaivém,
a saltos, a desmembramentos cronológicos — começa e vai
até o fim sem desvios) e, por último, a unidade mais importante: a unidade de
tom —
o conto tem que causar uma única impressão, que pode ser de humor, terror, piedade,
ironia, drama, tragédia, etc.
É isso, como regra o
conto é uma pequena estória com conflito que se resolve impactantemente no
final. Mais modernamente se tentam outras soluções, mas o conto clássico é
assim.
A dúvida de gênero
entre conto e crônica surge porque a narração não é estranha à crônica, pode
sim haver, mas é preciso que a intenção de fotografar uma época (sentido
original de crônica) se sobreponha à de contar. No conto se conta para fabular
ou pelo prazer de contar, mas na crônica se "conta" para fotografar,
comentar, registrar, etc. Costumes, facetas humanas, tipos, fatos peculiares
são típicos da crônica. No conto, o foco está no conflito, a personagem no
conto não é apenas um instrumento de que se vale o escritor, mas o próprio foco
de interesse, o indivíduo em si... Na crônica a personagem vale mais pelo que
diz do todo, de sua época ou de sua coletividade que por si só. Quando, no
entanto a voz autoral dá palpites, emite opiniões, analisa fatos, etc. aí não
tem que duvidar, é crônica e fim de papo. Alguns contos flertam demais com a
crônica, mesmo narrando depois e contando, afinal, uma estória, perdem a
unidade de tom. Não há dúvida se tratar de crônica quando não narra nada, só reflete
as opiniões do autor. Portanto, só há a possibilidade de confundir um com o
outro quando uma crônica se permite uma narração, quando não, fim de dúvida. É
crônica sem apelação.
Resumindo:
crônica e conto são mesmo um território de mútuas invasões. A diferença, por
assim dizer, está na intenção do autor: se era narrar, expor uma estória ou
parábola, então é conto; se era opinar, ainda que como exemplo conte uma
estória, então é crônica. A dúvida está naquela estória leve, simples, que mais
parece um instantâneo da vida. Aí o objetivo de fixar um modo especial daquele
tempo, daquela cultura, daquele povo está subjacente e predomina. Então, mesmo
que o autor nada comente ou opine, está claro, pela ligeireza do fato, a
intenção de apenas retratar o tempo; nesse caso, por mais narrativo e contado
que pareça, ainda é crônica. O conto pede dilema, conflito, drama!
Marco Antunes é
escritor, professor e Coordenador do Núcleo de Literatura do Centro Cultural da
Câmara dos Deputados.
(Texto adaptado pela
autora do blog.)
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