Ser escritor
Cristovão Tezza
Mas quem nos “autoriza”
a ser escritores? Começa por aí. Minha profissão é uma fraude, ou, dizendo de
outro modo, somos livres-atiradores, mais ou menos como os bicheiros, mas
felizmente sem sofrer nenhuma perseguição legal – pelo menos em tempos
democráticos. No máximo uma carta furiosa para a redação ou um livro encalhado.
Somos mais ou menos tolerados. Temos de assumir uma certa cara-de-pau, e
declarar, sem vergonha: “Sou escritor”. Somos mais definidos pelo fim do que
pelo início – um engenheiro é um engenheiro mesmo que jamais tenha erguido uma
casa, mas um escritor sem obra pontificará no máximo na mesa de bar, que,
aliás, é uma espécie incontornável de escola na formação de qualquer escritor
que se preze. Escritores também são seres naturalmente clandestinos – em geral
não gostam de pertencer a clubes e, como os ornitorrincos, resistem às classificações
científicas. Claro que há as academias, as uniões de escritores, os grupos aqui
e ali revolucionários, mas nada disso tem, nem de longe, a milésima parte do
poder de um Crea, por exemplo, ou de uma OAB. Aliás, frequentemente esses
agrupamentos oficiais de escritores acabam na mesa do bar sendo objeto de
escárnio implacável de escritores avulsos e desparceirados.
Do ponto de vista
prático, ser escritor é um mau negócio. Se fosse bom, bastaria abrir os
classificados desta Gazeta para encontrar dezenas de chamadas do tipo
“Contratam-se romancistas; pedem-se referências”, “Precisa-se de um poeta
concretista”, “Estamos aceitando contistas com carteira assinada; salário
inicial R$ 3.500 + produtividade”, “Urgente: sonetistas para trabalhar nas
férias, especialização em alexandrinos, contrato de 60 dias, assistência
médico-odontológica incluída”. Claro que isso é um sonho. Ninguém quer um
escritor para nada. E no entanto trabalhamos sem parar. Estou sempre na luta,
para garantir meu espaço – antes que o jornal anuncie nos classificados:
“Precisa-se de um cronista com assunto para as terças-feiras”.
(Imagem: pordetrasdoveu.blogspot.com )
Também morro de vergonha, quando Victor me apresenta como escritora. Não me considero como tal. Publiquei alguns livros e só. Mas adoro escrever, se bem que ainda prefira ler. Escrever demanda muito tempo e quero tê-lo para ler os outros.
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