Não existem trezentos poetas



Rainer Maria Rilke


(...) Estou sentado e leio um poeta. Há muitas pessoas no salão, mas não as notamos. Elas estão nos livros.  Às vezes se movem nas páginas como se estivessem dormindo e se virassem entre dois sonhos. Ah, como é bom estar entre pessoas que leem. Por que não são sempre assim? Você pode se aproximar de uma delas e tocá-la de leve: ela não sente nada. E se, ao levantar, você encosta um pouco em seu vizinho e se desculpa, ele inclina a cabeça para o lado em que ouviu a sua voz, seu rosto se volta na sua direção e não o vê, e seu cabelo é como o cabelo de alguém que dorme. Como isso faz bem. E estou sentado e tenho um poeta. Que sorte. Agora talvez haja trezentas pessoas lendo no salão; mas é impossível que cada uma tenha um poeta. (Sabe Deus o que elas têm.) Não existem trezentos poetas. (...)


Rainer Maria Rilke. Os cadernos de Malte Laurids Brigge. L&PM, Porto Alegre, RS, 2010, p. 32.

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