Querida, Meu Bem
Luci Afonso Arrasto-me pela casa com roupão branco e chinelos atoalhados, esperando que ela vá embora. Na infância éramos inseparáveis. Depois, afastamo-nos um pouco, mas ela insiste em aparecer de surpresa e em se demorar: — Vim o mais rápido que pude, Querida. Meu Bem é sozinha: não tem família, nem amizades, nem bichos de estimação, nem plantas. Quando chega, espalha-se pelos cômodos, revira o quarto, desliga o computador e esconde os óculos para que eu não leia, não escreva, não faça nada além de cuidar dela. O telefone emudece, as persianas se fecham, as violetas murcham. Os gatos param de brincar. Durmo o dia inteiro para que passe mais rápido, mas ela se deita comigo e quer brincar como antes: — Lembra? Ainda não consegui dizer que já estou esquecendo, que agora... — Lembra? - ela insiste. — Sim - eu minto, fingindo uma lágrima para deixá-la contente. Ela também chora e diz, já em sonho: — Que bom! No dia seguinte, ela se vai sem despedida. Guardo os chinelos, ponho o roupão par