Assim no Céu como na Terra


Luci Afonso


— Nome?
— Clodoaldo José Paulino, às suas ordens.
— Idade?
— Oitenta e um. Oitenta e dois no mês que vem, se Deus quiser.
—Apelido?
— Pernambuco.
— Nasceu em Pernambuco?
— Não, no Rio Grande do Norte.
— Motivo que o trouxe?
— O coração estufou, o peito ficou pequeno.
— Causa natural, então. Deixou bens?
— Filhos, netos, amigos e clientes.
— Profissão?
— Lavador de carros.
— Que tarefa gostaria de realizar aqui?
— A mesma. Por dentro e por fora, no capricho.
— Não usamos carros. O senhor sabe fazer mais alguma coisa?
— Eu sei alegrar as pessoas que acordam desanimadas.
— Essa atividade não consta em nossa lista. É nova?
— Não, é velha como eu.
— Como era feita?
— Eu só cumprimentava, desejava bom serviço e dava minha benção.
— O senhor tinha permissão para abençoar?
— Precisava?
— Um momento, por favor. Apresente-se amanhã bem cedo, no portão principal.
— Se não for pedir muito, seu moço, posso ter crachá?
— Veremos se é possível. Próximo!

No dia seguinte:

— Bom dia, doutor!
— Bom dia... Sr... Pernambuco... - o velho alto, com a cintura carregada de chaves, lê o crachá do novo guardião.
— O senhor tá bom? A família tá boa?
— Tudo bem, graças a Deus.
— Bom serviço. Deus lhe acompanhe.
— Amém - responde São Pedro, quase feliz.


(O Sr. Pernambuco, o Guardião da Manhã, faleceu em casa, no dia 20 de julho, à tarde, devido a problemas cardíacos.)

Comentários

  1. Querida Luci,

    esta crônica emocionou-me profundamente. O título do seu livro já estava escrito no céu por meio da vida deste guardião.

    Saudades,
    Alexandra

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