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Mostrando postagens de fevereiro, 2013

Cachorro-do-mato

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Luci Afonso Muitas coisas podem acontecer a partir de um nome , diz “A Mocinha no Mercado Central”, de Stella Maris Rezende. Tem nomes que inspiram, tem outros que amedrontam. Cachorro do Mato , por exemplo. Logo pela manhã, ao abrir o correio eletrônico, vejo que ele deixou novo comentário no meu blog. Antes de ler, fico pensando: o que esperar de alguém que escolheu um nome tão agressivo, ao invés de milhões de outros agradáveis, gentis, convidativos? Define o Aurélio: “ cachorro1 (ô) [Do lat. vulg. *cattulu < lat. catulu, ‘cão pequeno’.] Substantivo masculino. 1. Cão novo e pequeno. 2. Qualquer cão. 3. Cria de lobo, hiena, onça, leão, etc. 4. Indivíduo indigno; canalha, cafajeste. 5. Menino travesso, turbulento, levado; cachorrão. Cachorro espritado . Bras. N.E. Pop. Cão hidrófobo. Soltar os cachorros. Mostrar-se hostil, agressivo.             Soltar os cachorros em cima de. Bras. Pop. 1. Insultar, apostrofar:” “ cachorro-do-mato Substantiv

Pandeiro de Ouro

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  Luci Afonso   Os gemidos no quarto de hóspedes culminaram no grito que acordou todos no apartamento, exceto a mãe surda. As luzes se acenderam no prédio. O porteiro da madrugada interfonou, perguntando se devia chamar a polícia ou os bombeiros. — Não precisa, Sr. Laurentino. Foi só um susto. Tia Loíde repreendeu o companheiro: — Que escândalo é esse, Geraldo? — Nooooooossa, cê me assustou. — Eu tive que te acordar. Você não parava de gemer. — Tive um pesadelo horrível. — Com o quê? — Cê sabe que eu num lembro? Só sei que era horrível. — Então volta a dormir, Geraldo, mas fica quieto. — Cadê meu pandeiro? — Está bem do seu lado. Loíde e Geraldo vieram de Minas para o lançamento do meu livro. Visitaram o Congresso, a Catedral e o Palácio do Planalto, onde tiraram fotos com a Guarda de Honra. Depois de almoçar no Setor Comercial, foram até a Feira do Paraguai, procurar o perfume raríssimo que Geraldo usava. Deram sorte: acharam o último vi

A diarista oportunista

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Luci Afonso — Gerusa? — Não, não é a Gerusa. — Ela está? — Este telefone não é mais da Gerusa. — É 5566-7788? — Esse é o meu telefone. — Não é da Gerusa? — Não. Aqui não tem nenhuma Gerusa. — Você tem o novo número? — Não, eu não conheço a Gerusa. — Desculpe, foi engano. Liguei novamente. Poderia mesmo ter me enganado.   A mesma voz atendeu. Antes que a mulher me xingasse, desliguei rápido. Gerusa havia sido muito bem recomendada. A melhor diarista de Brasília, disseram. Agenda lotada o ano inteiro, encaixe só com bastante antecedência. O problema era encontrá-la. Eu precisava urgente de alguém para limpar a casa, lavar a roupa e cozinhar, pelo menos duas vezes por semana. Num momento de raiva, eu despedira Ceiça por desacato.  — Vai pegar mais gato?  — ela resmungou  quando anunciei que adotaria Hanna, uma fofurinha branca presente de uma amiga. A empregada já implicava com o Patinha, que ela acusava de encher a casa d

Janeiro

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Luci Afonso Então, vamos recomeçar: Observar o desenho que o sol da manhã fará na parede da sala. Pendurar o quadro novo. Comprar uniforme. Pedir ração. Chamar a   empregada. Esvaziar o armário da garagem. O do quarto. O da cozinha. Descartar alimentos vencidos. Despedir-se de roupas velhas. Aproveitar os pijamas. Espalhar guardiões. Limpar a estante branca. Mandar o livro para o exterior. Recebê-lo de volta em outra língua. Aprender adjetivos novos; substantivos incomuns; advérbios desconhecidos. Conjugar verbos raros. Ousar vírgulas, opcionais. (Abusar de parênteses.) Velar o sono da mãe. Cobri-la, se estiver frio. Passar a mão devagar no cabelo cinza. Amaldiçoar. Pedir perdão. Agradecer. Dormir sem homem. Acordar sem pai. Sonhar com o primeiro amor. Lembrar do último. Flanar sob as árvores. Pairar sobre a dor. Beber a chuva. Terminar esta crônica. Começar a próxima. Esperar fevereiro.

Oração de uma recém-aposentada

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Luci Afonso Senhor, dai-me forças para não passar o dia de pijama. Insuflai-me ânimo para tomar banho, mesmo que não seja imprescindível. Ajudai-me a cuidar das unhas. Incentivai-me a pintar o cabelo. Lembrai-me de escovar os dentes. Adverti-me de olhar no espelho antes de sair. Esclarecei-me por que não devo usar as roupas de casa na rua. Incentivai-me a passá-las a ferro. Repreendei-me quando eu não trocá-las diariamente. Protegei-me das horas sem fim no Facebook. Negai-me a opção “curtir”. Abrigai-me do recurso às compras on-line. Fazei com que eu vá a pé ao supermercado.   Meu Deus, dai-me paciência quando perguntarem pela centésima vez “O que você vai fazer?”, ao saberem que me aposentei. Não me deixai sucumbir à tentação de dormir tanto quanto os gatos e em todos os lugares. Martelai na minha cabeça a importância da atividade física. Empurrai meus pés ao primeiro passo. Impedi-me de brigar com a empregada. Escondei da minha vista os canto