Postagens

Mostrando postagens de janeiro, 2015

Quase tudo

Imagem
Tarlei Martins   “Um livro aberto tem o exato desenho de duas asas. E quando se abrem as asas de um livro, quem voa somos nós. A bordo de um livro, sinto-me como se estivesse sendo guiado por um tapete mágico bordado de palavras do começo ao fim.” “Preciso dessa saída diária de mim para voltar com mais força ao meu eixo. Sem esse espraiar-se sedento por várias geografias humanas, eu dificilmente me reconheceria no que tenho de nítido e preciso. Para me encontrar por inteiro, preciso sair de mim. E, para sair de mim, nada melhor que o tapete mágico das palavras.” “Frase do Eduardo Giannetti que está no livro A ilusão da alma : ‘Fixado o centro, tudo o mais se ordena’. Sinto que tenho um centro. O meu centro é a leitura. É a leitura que alarga enormemente a minha circunferência existencial. A leitura é um passaporte precioso que permite a mais fantástica das viagens – que é a viagem de si a si mesmo.” “Escrever será sempre um ofício de artesãos pacientes. Não há pressa

Basófoba, eu?

Imagem
Luci Afonso Ele se senta ao meu lado na cama. A careca reluz em contraste à roupa preta. As olheiras profundas realçam os olhos escuros. A boca é pálida, quase transparente. — Quem é o senhor? — pergunto. — Sou o encarregado do seu caso no Departamento de Tombos e Quedas. Vim fazer o relatório diário. — Mas fiz o pedido há quatro meses... — O número de funcionários caiu muito — logo percebo sua pretensão a humorista. Ele pega a prancheta: — Sempre é tempo, não é mesmo? Vejamos... Hoje é 31 de outubro... Dia das Bruxas. Alguma ocorrência? — Levei um tombo hoje de manhã. — Tombo ou queda? — Qual a diferença? — Tombo é barulhento, espalhafatoso; queda é silenciosa, quase imperceptível. — É tombo mesmo. — Foi grave? — Não, apenas ralei joelhos e cotovelos. — Nível 1: escoriações leves localizadas. — É, mas tem um detalhe. — Qual? — Eu caí na faixa privativa dos ônibus e quase fui atropelada. — Então, nível 5: provável risco de vida. A senhora tev

Pequena Grande Mãe

Imagem
Luci Afonso O nome “Isolda” tem origem incerta. Na versão grega, significa “a que protege”. É também o nome de uma princesa no poema épico “Tristão e Isolda”, inspirado numa lenda celta. Nome forte, antigo, impõe respeito, igualzinho à dona. Nos meus dois últimos anos na Câmara, trabalhei ao lado de Isolda no Cefor – Centro de Treinamento. Foi preciso coragem. Quando nervosa, ela é um perigo! Dava bronca em mim, no marido, na empregada, no marceneiro, na moça do telemarketing, em quem cruzasse o seu caminho. Mas a braveza passava logo, e o sorriso se abria. Trabalhava sem parar e não gostava de ver ninguém desocupado. Era extremamente objetiva, rigorosa, exigente, eficiente, superprodutiva. Enquanto eu fazia um texto, ela fazia quatro, e começava imediatamente a próxima tarefa. Quem a conhece sabe que ela faz mil coisas ao mesmo tempo – escreve poesia, declama, canta no coral, faz teatro, coordena grupos de dança circular, dá oficinas aos terceirizados da Câmara, ensi