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Mostrando postagens de julho, 2013

O romance morreu?

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Rubem Fonseca Muito antes de publicar o meu primeiro livro eu já ouvia dizer que o romance e o conto estavam mortos. Parece que a primeira morte teria sido anunciada ainda em 1880, não obstante, como todos sabem, Emily Dickinson, Tchekov, Proust, Joyce, Kafka, Maupassant, Henry James, o nosso Machado, Eça, Mallarmé, as Bronte, Fernando Pessoa (um pouco mais tarde) estivessem ativos naquela época. No início do séc. XX, com o lançamento, por Henry Ford, do Ford Model T, um automóvel popular, construído numa linha de montagem, um carro barato que em poucos anos vendeu mais de quinze milhões de unidades, as Cassandras afirmaram que agora a literatura de ficção, na qual se incluía a poesia, estava mesmo com os dias contados. Dentro de pouco tempo todas as pessoas teriam automóvel e usariam o carro para passear, fazer compras, namorar em vez de ficarem em casa lendo. Ou porque não soubessem o que lhes reservava o futuro, ou lá porque fosse, o certo é que muitos escritores, co

Não existem trezentos poetas

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Rainer Maria Rilke (...) Estou sentado e leio um poeta. Há muitas pessoas no salão, mas não as notamos. Elas estão nos livros.   Às vezes se movem nas páginas como se estivessem dormindo e se virassem entre dois sonhos. Ah, como é bom estar entre pessoas que leem. Por que não são sempre assim? Você pode se aproximar de uma delas e tocá-la de leve: ela não sente nada. E se, ao levantar, você encosta um pouco em seu vizinho e se desculpa, ele inclina a cabeça para o lado em que ouviu a sua voz, seu rosto se volta na sua direção e não o vê, e seu cabelo é como o cabelo de alguém que dorme. Como isso faz bem. E estou sentado e tenho um poeta. Que sorte. Agora talvez haja trezentas pessoas lendo no salão; mas é impossível que cada uma tenha um poeta. (Sabe Deus o que elas têm.) Não existem trezentos poetas. (...) Rainer Maria Rilke. Os cadernos de Malte Laurids Brigge . L&PM, Porto Alegre, RS, 2010, p. 32.

O que é conto e o que é crônica?

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Marco Antunes Quero dirimir um pouco das dúvidas sobre o que é conto e o que é crônica. O assunto é difícil mesmo. A coisa se dá em terreno ambíguo muitas vezes, mas, como sempre digo para meus alunos, nenhum autor está escrevendo e de repente interrompe porque queria escrever uma crônica e lhe saiu um conto. A importância disso é epistemológica somente. Percebam, conto está centrado na ação, no conflito desenvolvido pela narrativa, preservando quatro unidades, segundo Massaud Moisés: a de espaço (um conto procura situar-se em poucos cenários, feito uma peça de teatro); a de tempo (como o conto é breve por definição, raramente se faz um bom conto com cortes no tempo, dando saltos na história, etc.); a de ação (o conto é avesso a peripécias narrativas, ao vaivém, a saltos, a desmembramentos cronológicos — começa e vai até o fim sem desvios) e, por último, a unidade mais importante: a unidade de tom — o conto tem que causar uma única impressão, que pode ser de humor, terror

Vai ficar tudo bem

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Luci Afonso O que impressiona, à primeira vista, é a gentileza espontânea com que acolhe todas, da mais humilde à mais elegante. — Como vai?— faz questão de levantar-se da sua mesa e d e recebê-las na antessala, com o forte aperto de mão e o sorriso aberto. É um especialista famoso, mas mantém uma simplicidade comovente. Está à vontade entre miomas, cistos e calcificações. Contornos imprecisos não o confundem. Linfonodos patológicos não o assustam. Imagens sólidas hipoecogênicas, ele as decifra sem hesitação. Tumores, ele os encara com a firmeza e a competência de quem sabe removê-los. Seu entusiasmo é reconfortante. Sua confiança é uma manta de lã numa noite fria. — Não se preocupe, vai ficar tudo bem — ele costuma dizer às pacientes aflitas. Salvou-me de três diagnósticos errados, que me causaram uma angústia e um desespero intensos. Imagino que, como eu, muitas encontraram nele o alívio da dor que se experimenta ao se confrontar uma doença fatal. Há muitos ano