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Mostrando postagens de outubro, 2007

A visita

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Não vejo o Sr. José Maria há alguns dias e não consigo esquecê-lo. Em algum ponto do trajeto entre casa e trabalho, certamente à vista de algum ipê amarelo úmido de chuva, os desejos do meu taxista de confiança se misturaram aos meus. Decido visitá-lo à noite no ponto-casa. Encontro-o sentado num banco de madeira, assistindo à TV. Ele se espanta com meu vulto vermelho emergindo do escuro — estou de vestido vermelho, salto alto, brincos de argola e pulseira. Ele está à vontade, de chinelos. Não sei qual de nós está mais surpreso com a improvável visita. Ele se levanta para me cumprimentar e pela primeira vez o vejo de pé. Meu amigo é de uma feiúra cativante: magro, um pouco mais baixo que eu, rosto pequeno, olhos pretos minúsculos, nariz grande, orelhas enormes. As mãos rústicas e miúdas parecem gravetos. Os dentes que não perdeu estão escurecidos. Ele me indica o banco, pega uma cadeira e começamos a conversar. Observo à minha volta: os sapatos debaixo do banco, algumas camisas em cabi

Dente de Coelho

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— Quando a senhora se sentir apta a tratar os dentes, me procure. - O endodontista bateu o telefone. Por que estava com raiva? Ela só desmarcara três consultas, e por um bom motivo: estava no auge da TPM. Enfrentar o motorzinho nessas condições seria tortura. Magoada, não o procurou novamente. Próximo na lista: Dr. Teógino, cirurgião-dentista indicado por uma amiga, que abrira bem a boca para lhe mostrar o trabalho que ele fizera. Parecia bom. Marcou e foi. — Tenho um medo de dentista! - Ela disse, tentando sorrir. Sempre os alertava. O Dr. Teógino pareceu não ouvir: — Seus dentes estão péssimos! Preciso refazer tudo - Ele já calculava, mentalmente, quanto poderia cobrar. Estava num aperto danado. Sentiu pena dele: era quase um anão, a voz desproporcionalmente grossa. Tinha barba de bode. Deixara aberto na mesa um antigo livro ilustrado de dentística para impressioná-la. — Então, está disposta? - indagou, esperançoso. Precisava retomar a clientela, pois abandonara a profissão por vário

Poema em flor maior

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Anabe Lopes O amarelo do ipê sobre o chão vermelho do cerrado Prenuncia o fim da aridez na alma da cidade Enfim, hão de vir as primeiras chuvas... Águas coloridas e perfumadas de primavera Reverdecerão os gramados do plano alto de Brasília Caem as últimas flores do ipê, Cessam os ventos e os dias são mais quentes, Adormeço a espera da primavera que virá... Sonho a umidade do beijo da chuva... Rociando humanidades em gotas pelo ar. Vivas flores de vivas cores de manhãs de primavera Correm vera no meu sangue. O cheiro da terra molhada, e o sol nascente Faz germinar a poesia e a semente E revela a beleza da espera Delonix regia, vem re-velar o mistério inexplorado, Escondido nas entrequadras dos nossos desejos. Em cada flor revela e oculta um beijo... E há tantas flores... Incandescentes olores Ainda flamejam nos olhares... A divina flor do paraíso! Dá a cor e tira o siso. Flamejante volto à infância, onde flamejam as últimas flores da estação... Espadas pendem dos galhos e flores forr