Julia e eu

Luci Afonso Durante a quarentena, minha terapeuta sugeriu que eu desse uma oficina infantil de criação literária para me distrair. Escolhi o nome: Colivrinho-20 — Oficina Infantil Virtual de Criação Literária. Para a primeira aula, fiz um roteiro dos dez passos para escrever uma história, que pretendia seguir fielmente, e entrei na live do Skype disposta a dar uma aula clássica de redação. Não funcionou: na outra tela só havia uma pessoa, que não se mostrava inteira. Ora eu via o cabelo, ora os olhos, mais frequentemente o teto. Eu não entendi o que ela dizia. Perguntei sua idade, ela disse que tinha 31 anos. Estranhei: a oficina não era infantil? Só com o tempo descobri que Julia tinha alma de criança. Só com o tempo ela se sentiu à vontade diante da câmera. Primeiro, apareceu o rosto. Depois, o cabelo, cada vez com uma tiara diferente. Mais umas semanas, ela deu um sorriso, e a tela se iluminou. Ela o repetia toda vez que terminava uma frase. Era encantador. No desenrolar da oficina, fiquei conhecendo melhor a minha aluna. Ela gostava de música sertaneja, seu bicho preferido era o macaco, era alegre e comilona, gostava de ouvir histórias e depois desenhá-las. Com Julia aprendi que escrever não é só com lápis e papel, mas também com a voz e a imaginação. Com Julia aprendo a viver. Eu lhe ensinei... O que foi mesmo que ensinei a Julia?

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