Deus é bom

 



Luci Afonso

 

 Enquanto as Torres Gêmeas desabavam em Nova York, numa bela manhã de setembro, meu filho de quatro anos procurava numa gaveta seus super-heróis favoritos, para enfrentar os monstros imaginários que desenhava. Às vezes, olhava para a televisão, sem se interessar pelo que acontecia.

            Anos depois, quando ouvimos a notícia sobre outro ataque assassino, desta vez em Madri, ele continuava brincando em seu mundo inocente e pacífico, que só as crianças habitam.

            Toda noite, antes de dormir, quentinhos na cama, líamos a Bíblia Ilustrada para Crianças, sempre seguido dos comentários infantis. No primeiro capítulo, Deus criava todas as criaturas, inclusive o homem. Ao final do dia, ele parava, olhava tudo o que tinha feito e gostava do resultado.

            — Nossa, esse Deus gosta de tudo, hein ?! — observou a criança.

            No segundo capítulo, Adão já vivia no paraíso, mas estava muito só, e por isso Deus lhe tirou uma costela e fez a mulher, Eva.

— Como assim?! — quis saber o menino.

            No terceiro capítulo, Deus expulsava Adão e Eva do paraíso e os condenava a vagar pela Terra em meio à dor e ao sofrimento.

            — O Deus é mau, hein!? — comentou ele.  

Desta vez, respondi apenas:

  Não, filho. Deus é bom.

Meu filho, hoje adulto, não desenha mais monstros imaginários — ele sabe que existem de verdade. Barbudos ou não, com olhos negros ou com lindos olhos azuis, eles espalham a dor e o sofrimento a que Deus relegou os homens.

Deus é bom. Os homens é que são maus.

Outubro 2021

           


 Nota: Encontrei esta crônica iniciada em 2004, ainda na Oficina de Redação do Prof. Marco Antunes. Percebi que já tinha voz de cronista, a qual vem evoluindo desde então.. Eu a terminei para inscrevê-la na Antologia 11 de setembro, que será lançada em breve, sob a coordenação da escritora Ainê Pena.


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