Ninguém me amou como você
Luci Afonso
A casa amanheceu em meio à névoa densa e
fria, que umedecia até a alma. Ela acordou mais tarde, serviu o chá,
procurou o álbum de fotografias antigas e começou a folheá-lo, encolhendo-se
debaixo do cobertor. Fotografias preto e branco explicavam o presente e
anteviam o futuro. Pedaços de alegria saltavam das imagens, enquanto pedaços de
tristeza as amarelavam com crueldade.
Viu-se aos vinte anos, esbelta, cabelo
longo, sorriso solto, envolta no abraço dele: aconchegante, seguro. O abraço
dele: refúgio, jardim, nascer do sol. Lembrou-se amada. O amor dele tinha o toque
da seda, o calor de uma coberta numa noite de chuva. Estava tão certa desse
amor que o retribuía com um afeto sem dor. Tanto que não sofreu na separação. Ou
pensava não ter sofrido. Agora sentia vontade de dizer: Ninguém me amou como
você. Mas estavam distantes no tempo e no espaço.
Sonhara com ele. Faziam amor num quarto de hotel. No momento do gozo, ele a inundou com o fluido puríssimo do homem apaixonado, e ambos sentiram se dissolver no universo.
Ainda embalada pelo sonho de prazer e
saudade, o corpo lânguido como o de um gato, ela foi se aquecer ao sol que começava
a aparecer.
O dia transcorreu em nuvens. Os pássaros cantaram
mais, as flores estavam mais cheirosas, o corpo mais tranquilo, como se tivesse
experimentado uma linda noite de amor. Encontrara, tarde demais, o homem da sua
vida. Em algum momento, se ela se permitisse, também se descobriria apaixonada,
mas não tivera coragem. Ele foi embora, e o tempo passou em vertigem.
Ela respirou fundo o aroma das flores, se espreguiçou ao sol e, então, começou a escrever: Ninguém...
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