Príncipe dos pardais

 





Luci Afonso

 

Quando cheguei em casa, a gata parecia me encarar, mas logo descobri que sua atenção estava voltada para um pardalzinho que entrara no quarto e pousara no lustre de metal.  Ele voava até o guarda-roupa, andava por cima dele e voltava ao lustre, sem saber como escapar.

Abrimos a janela para que ele saísse, mas ele não a encontrou. Com o tempo, pareceu ter se cansado e pousou de vez em cima do guarda-roupa, longe do nosso alcance.  Passei a noite ouvindo seus barulhinhos. De madrugada, ficou preso entre o móvel e a parede, sem conseguir levantar voo.

Acordei meu sobrinho, que morava comigo há alguns meses. Breno era forte e bonito, tinha 1,90 de altura e continuava crescendo. Perdera a mãe aos onze anos. O pai, no momento, não conseguia cuidar dele, e nós o acolhemos Era quieto, um pouco preguiçoso, como se é aos dezesseis, e tinha múltiplas inteligências, tanto para consertar coisas quanto para resgatar orquídeas, pardais e o que mais estivesse em perigo. Foi ele que plantou as mudas de ipê-amarelo e o pé de jambo que comprei para o jardim e que replantou raízes de orquídeas nas árvores do quintal.  

Era também amigo das corujas, que o observavam enquanto ele treinava boxe, a meia luz, embaixo da jabuticabeira. Os gatos o preferiam aos donos, e o cachorro o obedecia cegamente.

Breno abriu o guarda-roupa, pegou uma lanterna e examinou o local de onde vinham os pios. Ele mal cabia entre meus vestidos e teve de se espichar para chegar ao pardal. Este se escondera embaixo do móvel, num ponto aparentemente inalcançável. Primeiro, foi preciso tirar a madeira de trás. Depois, o jovem se contorceu como lhe permitiam os braços e pernas gigantes, e, usando uma concha de sopa, pegou o passarinho e o içou até nós. Levou algumas bicadas nesse processo, mas foi até a janela aberta e soltou o bichinho cansado e indefeso. Ficamos aliviados e voltamos a dormir, para depois prosseguirmos em nossos salvamentos diários.

Só um pardalzinho para resgatar outro. Breno foi passar uns dias na casa do pai. Os pardais andam perguntando por ele. 

 


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