Improviso para Carlos
Luci Afonso
É brincadeira de Deus a
vida passar tão rápido. Faz vinte anos que nos falamos, trinta anos que nos
vimos, quarenta anos que nos amamos. Eu não lembrava dessa foto, da sua mão no
meu ombro, do seu sorriso feliz em me abraçar, da minha confiança em ser amada.
Você é mais alto que eu — eu não lembrava disso, e sempre gostei de homens mais
altos
Quando você se formou e voltou
para sua cidade, sem nunca ter me convidado a ir com você, eu achei natural. Afinal,
a vida estava começando, e tínhamos muito tempo. Procurei caminhos diferentes
dos que faríamos juntos. Quando se é jovem, não se sabe medir o alcance de uma
separação. Quando se amadurece, isso fica claro nos dias que não voltam, na
fotografia guardada num livro empoeirado, na memória de vozes, risos e
carícias.
Tenho 60 anos. Você, 50 e
tantos. Depois de muitos meses de pandemia, de medo do que pudesse acontecer, de
afastamento de outros seres humanos e de nós próprios, você manda uma fotografia
dos nossos 20 anos. Fiquei profundamente comovida. Com o seu olhar no futuro,
com minha certeza do seu amor, com nossa certeza da vida, com sua lembrança de
mim, com minha lembrança de você, com quase quarenta anos entre nós.
Deus só pode estar brincando.
Outubro de 2020
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