Meu depoimento para uma tese de doutorado
Marco Antunes
Um postulante a doutorado pede-me
que, como animador cultural, agente de divulgação literária e escritor,
responda de modo objetivo 20 perguntas para sua tese de doutorado. Como sou
apenas um dos 100 escolhidos de diversas áreas, em todo o Brasil, para
responder à entrevista, ele me deixou livre para divulgar minhas respostas.
Então, aqui seguem 10 que considerei interessante compartilhar.(transcrição do
depoimento oral)
1-Comparado ao resto do mundo, em
sua área de atuação cultural, como vê a situação do Brasil?
Resposta- Empobrecida
intelectualmente por uma educação deficiente, por políticas culturais que
privilegiam eventos (com finalidade mais de divertimento que de formação) e
obras, sem espaço para oficinas e
formação técnica e filosófica de potenciais escritores, tudo somado ao fato de
que, por décadas, houve uma impiedosa, unilateral e sem dialética doutrinação
de esquerda, a intelectualidade brasileira tornou-se pobre, desatualizada e
pateticamente incapaz de debater com a contemporaneidade. Um lugar para o
Brasil em uma escala pessoal? Em uma escala de 10, em que 1 representaria
nenhuma relevância e 10 grande influência: o Brasil, que já foi um 7, hoje não
passa de um 5.
2- Existe algum estado brasileiro
que se destaque na sua área de atuação cultural?
Não, nem para o bem nem para o
mal. São Paulo, por ter a maior população, aparece proporcionalmente mais é
óbvio; porém sofre dos mesmos vícios e problemas de todos os demais estados.
Claro, tem também os mesmos méritos. Para ser justo, tenho que deixar claro
que, por confundirem, quantidade com qualidade, agentes culturais de São Paulo
e do Rio pensam ter alguma ascendência sobre os demais estados, mas a verdade,
é que alguns autores, grupos e projetos sofrem de uma afetação um tanto gaiata
de vanguarda e inovação, tornando o provincianismo intelectual ainda mais
evidente às vezes.
3- Poderia destacar 3 pessoas
(vivas) ou projetos (atuais) que considere importantes na sua área de atuação
cultural?
Ferreira Gullar, as bienais do
livro e o fenômeno das pequenas editoras.
4- Poderia destacar 3 pessoas
(falecidas) ou projetos (passados) que considere importantes na sua área de
atuação cultural?
Semana de Arte Moderna, Carlos
Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
5- Há diferenças perceptíveis de
gênero, raça, confissão religiosa ou outra que sejam relevantes em
sua área de
atuação cultural que possam caracterizar preconceito ou discriminação?
Evidente que sim, há mais homens
publicados, são mais avaliados (veja que prefiro não usar valorizados) pela
crítica e privilegiados que as mulheres, sem que isso guarde qualquer vestígio
de mérito que se perceba. Na questão de raça ou de opção sexual a minha
observação seria a mesma. Quantos no Brasil citariam 10 autores negros ou
homossexuais? (Provavelmente nem eu).
6- Existe censura em sua área de
atuação cultural?
Provavelmente, pois percebo que
existe uma evidente e constrangedora patrulha ideológica por parte de certa
intelectualidade com muita projeção em seus setores (professores, jornalistas,
escritores, etc) formada por uma vexatória doutrinação de esquerda, fica,
pois, difícil de acreditar que, em
concursos ou seleções de projetos por parte de órgãos oficiais de fomento
cultural, não haja discriminações desse tipo. Além de outras modalidades mais
"sutis" de censura de que terei oportunidade de falar em questões
abaixo.
7- Você considera conservadora a
produção ou a atitude dos agentes em sua área de atuação cultural?
Absoluta e inequivocamente, sim.
Só que, quando falo em conservadorismo na literatura, é provável que se pense
que eu esteja me referindo a submissão a normas e fórmulas de composição fixas,
como no Parnasianismo tão ironizado pelos modernistas, mas não é a isso que me
refiro propriamente. Há autores que, até hoje, estão, por exemplo, lutando uma
guerra na literatura infantil que Monteiro Lobato já ganhou. Pegue o resultado
de concursos literários voltados para crianças que você vai continuar vendo uma
multidão de boitatás e iaras, como se a questão da infância em um país que se
urbanizou velozmente ainda fosse a mesma do princípio do Século XX. Estou aqui
citando um aspecto, mas poderia falar dos horrores da poesia e de gente que
ainda está brincando de poema-piada com Oswald de Andrade, disputando
sensibilidades de minimalismo emocional com Clarice Lispector, voltando a pé de
Woodstock com Cristina C e Leminski ou os que se comprazem em seguir
reescrevendo a obra de Quintana e Manoel de Barros com seu simbolismo lúdico
quase infantil. Quer dizer que essa gente pensa que a questão humana, que a
poesia tanto reclama, em nada mudou até aqui, já no fim da segunda década do
século XXI? "O que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo." já
dizia Belchior. Nosso delay intelectual é constrangedor.
8- Do ponto de vista da
vanguarda, o que considera positivo em sua área de atuação cultural?
Tenho dificuldade atualmente em
perceber a vanguarda. Tudo o que se apresenta com essa pretensão parece apenas
falta de leitura de James Joyce ou de certas invenções de João Cabral de Melo
Neto, por exemplo. Acho que a reconstrução do sentido em um mundo em que o
coletivo se esfacelou até o individualismo patológico é o novo campo de criação
para os que têm o ímpeto da inovação. Essa nova síntese, repactuação do pacto
social e situação presente do humano na geografia psíquica e espiritual podem
ser caminhos promissores.
9- Como considera as relações
entre as pessoas que participam como agentes em sua área de atuação cultural?
Acredito que, em todos os setores
culturais, as relações são semelhantes. A marca principal é a vaidade bem como
a formação de grupos que, em geral, orbitam ao redor de uma personalidade alfa.
Esses grupos (panelinhas) têm quase sempre a mesma configuração mórfica:
unilateralismo filosófico e político, autoritarismo ostensivo ou sutil por
parte dos membros mais prestigiados, patrulha ideológica, estética e filosófica
{igualmente ostensiva e sutil), eleição de um inimigo em comum que pode ser
pessoa, grupo, pensamento, modo de se vestir, etc.
Claro que existem as louváveis
exceções e pessoas que optam por uma postura independente e autônoma, opção
que, certamente, terá seu custo para o praticante no meio social pelas pressões
dos grupos de poder.
10- Que atitude faltante você
acredita que seria mais importante de ser buscada pelos agentes da área
cultural em que atua?
Estudar, participar de oficinas,
praticar sempre. Depois de editados, os autores parecem constrangerem-se em
participar de oficinas e cursos, o resultado é maior unilateralismo e o
empobrecimento da perspectiva.
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