Vigas metafísicas




Tarlei Martins


“Eles eram muitos cavalos” percorre em um dia as entranhas da cidade de São Paulo, da gente que vive naquela “metrópole apressurada” – como é chamada pelo também mineiro, e também escritor, Evandro Affonso Ferreira. Nada escapa ao olhar do Ruffato. Por conta da imensidão que é essa “metrópole apressurada”, o olhar tem de ser um olhar caleidoscópico. Ruffato se sai muitíssimo bem do desafio. Coloco "Eles eram muitos cavalos" na categoria dos clássicos fundamentais. Tomo emprestada a definição de clássico que ouvi de José Miguel Wisnik: "Clássico é que aquele tipo de obra que não cessa de renovar sua atualidade". Na minha leitura, foi com esse livro que o Ruffato redesenhou sua trajetória de escritor de ficção. O que veio depois foi a pentalogia “Inferno provisório”, em tudo magistral. O “Inferno...” compõe-se de “Mamma, son tanto felice”, “O mundo inimigo”, “Vista parcial da noite”, “O livro das impossibilidades” e “Domingos sem Deus”.

Gosto de dizer que a literatura me deu poderosas vigas metafísicas. Elas é que me sustentam. O incomparável exercício de alteridade que a literatura propicia é cada vez mais necessário e inadiável num tempo de umbiguismo desvairado. Me encanta na literatura do Ruffato o trabalho com a linguagem. Não tenho dúvidas de que a sua linguagem surge de um descomunal esforço de realização, de carpintaria... Deve ser por isso, aliás, que ele, conforme li numa entrevista, se diz um re-escritor mais que escritor. Me encanta e espanta o poder que ele tem de “esquadrinhar” a vida de seus personagens até o último desvão.
(Texto publicado no Facebook)

Comentários

Luci Afonso Querido Tarlei Martins, essas "vigas metafísicas" também me sustentam, embora eu não soubesse nomeá-las tão brilhantemente. Minha prosa é muito simples, comparada à sua e à de escritores como Ruffato. O comentário que vc faz é primoroso! Vou publicá-lo rsrs

Tarlei Martins De vez em quando tenho umas sacadas, Luci, e que sempre me vêm de alguma leitura. No mais, escrevo simples a partir do simples que me compõe. E tenho para mim essa divisa: a simplicidade é um luxo, título, aliás, que dei a uma de minhas crônicas de quinta. Obrigado por publicar mais esse comentário. Já intuo o título que dará a ele. Abs!

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