Chuchu




Luci Afonso

Ela está de férias e caminha à beira-mar, molhando somente os pés. De vez em quando se abaixa e cata conchinhas para os netos. Está com muita saudade, principalmente do mais novo, que a chama carinhosamente de “Chuchu”.
— Você está linda, Chuchu! — ele diz sempre que a vê.
— São seus olhos, querido — ela responde, feliz.
É ano-novo. Passou a noite numa festa na praia, com fogos de artifício e tudo o mais. Sentiu a mesma alegria quando fez oitenta anos e a família veio de longe celebrar o aniversário.
Só uma coisa a entristece: faz poucos meses, abriu mão da casa em que morava há quase cinquenta anos em favor dos filhos. Não quis nenhum centavo do dinheiro apurado, que serviu para comprar um apartamento para cada um. Fez a renúncia suprema: ficou sem teto para que eles tivessem moradia própria.
Porém, desde que se mudou, não sorri mais, nem conta estórias engraçadas como costumava fazer. Não tem ânimo para cozinhar, não joga mais na loteria toda semana, como antes. Não assiste mais seus filmes na TV, não se interessa pelo telejornal. Perdeu o prazer da vida. Envelheceu em ritmo acelerado. Está sem chão.
Cada filho tinha uma opinião sobre o destino da mãe: a casa de um ou de outro, viagens, atividades com idosos, trabalho voluntário, a abertura de um negócio próprio. Ela passou a morar com um e outro, mas não se adaptou. Queria ter seu canto, “um lugar onde entrar”.
Todos pensavam que ela já não tinha forças para viver sozinha. Todos, menos o neto caçula:
— Vai, Chuchu, morar onde você quiser.
Ela seguiu o conselho. Antes de viajar, comprou em segredo um terreno perto da antiga casa e vai fazer outra. Tem oitenta anos, sim, mas está viva! Voltou o brilho no olhar, a vontade de levantar da cama pela manhã, o prazer de fazer a comida dos netos.
Quando voltar de férias, construirá uma casa somente sua. Até que a morte as separe.

(Imagem: https://pt.depositphotos.com/75028849/stock-photo-elderly-woman-on-beach.html)

Comentários

  1. LUCI, parabéns por tudo que diz na sua crônica, achei perfeita como descreveu nossa Jaci.

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