Sabiazinho
Luci Afonso
Saio mais uma vez para
caminhar, diluindo a ansiedade em passadas curtas e firmes. A chuva lavou o céu
e as nuvens até chegarem a um tom puríssimo de azul e branco. Toda manhã sinto
o abraço do sol e o carinho das árvores. Conheço cada uma em meu trajeto. Sei a
que floriu ontem, a que perdeu folhas ou ganhou brotos. Elas me acenam e me
lançam flores.
Há alguns dias, sou
atacada por um pássaro que voa rente à minha nuca e faz um ruído assustador.
Pela violência do ataque, poderia ser uma ave de rapina. Hoje ele atacou uma vez e pousou no chão do prédio;
atacou de novo e pousou num galho. Descubro que é apenas um sabiazinho
cinza-escuro, não sei se macho ou fêmea, provavelmente defendendo seus
filhotes.
Começa uma chuva fina e
refrescante. Acelero o passo e chego em casa a tempo de ver meu filho saindo
para a faculdade. Ele está fazendo um enorme esforço para retomar os estudos.
— Hoje nem consigo
existir — ele costuma dizer, meio brincadeira, meio verdade.
— Será o caos, mãe? A
aniquilação total? — ele assiste a muitas séries de TV apocalípticas. Eu o
observo chamar o elevador. Meu sabiazinho. Meu sol, minha nuvem, minha flor. Eu
o defendo a qualquer custo, se for preciso.
Na sua ausência, tenho os
gatos e as palavras. Eles gostam de ficar em cima dos livros, entregues ao sono
profundo. Elas descansaram à noite e estão bem-dispostas de manhã. Eu lhes
conto a história do sabiá, elas me sugerem escrevê-la. Acho boa ideia, mas
antes vou descansar um pouco, enquanto meu filho não chega.
(Imagem:
http://www.espacoarte.com.br/obras/7348
)
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