Pequena pequena vida



Luci Afonso


Mais uma vez visito Araxá, Minas Gerais. A vida na cidade pequena se resume ao essencial: comer, dormir, amar, conversar. Não há distrações como na cidade grande. Um shopping, por exemplo, é absolutamente desnecessário. Indispensável mesmo é a cadeira na calçada ou na varanda para observar o movimento e cumprimentar quem passa.   
O tempo anda mais lento. Ninguém tem pressa. Os amigos param e batem papo no trânsito sem ouvir buzinas. Todos se conhecem. A maioria nunca viajou e não sente falta disso. Alguns já foram a lugares distantes a cem e até a duzentos quilômetros.
As pessoas são mais satisfeitas, mais contentes. O dia transcorre calmo, tudo na sua hora, com intervalo para a sesta do almoço. É possível chegar a pé à avenida principal, onde fica o comércio. Que, aliás, fecha ao meio-dia de sábado e só reabre na segunda-feira. A maior distração são os encontros de família ou de amigos. Quem não tem nenhum dos dois corre o risco de se sentir só. Sem a opção de andar no shopping e comprar alguma coisa para relaxar, ou de ir a um encontro cultural. Cultura, só a da televisão e a da Internet; passeio, só nos supermercados. Há muitos bons.
Há também lugares curiosos, que mostram a crueldade sutil do povo mineiro. O Buraco do Urubu, por exemplo, denomina uma sequência de casas ocupadas por negros pobres. O nome é resquício do racismo que, embora encoberto, ainda pulsa forte no sangue. Na Ladeira dos Viúvos, as janelas são ocupadas por velhos viúvos que comentam as novidades. Quem se aproximar é convidado a se juntar à prosa.
A missa na manhã de domingo é sagrada. Se o almoço for galinhada, ótimo. Churrasco, melhor ainda. Com tutu de feijão, bem gorduroso. À noite, o Fantástico e um filme. De preferência antigo, preto e branco, com os galãs clássicos de Hollywood. Amanhã, tudo recomeça tranquilamente.  
É um grande mistério a vida na pequena cidade.

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