Poesia, preservação da infância
Henriqueta Lisboa
Sem
desconhecer a aspereza dos nossos tempos, a poesia permanece no campo do
existir como fenômeno de equilíbrio, compensação e recompensa, com a faculdade
de preservar a infância. Eventualmente, a poesia pode inspirar-se em tom menor —
por que não? — e revestir-se de ternura.
É
através da imaginação que se atinge, muitas vezes, a etapa da lucidez. Assim,
dar asas à imaginação não é fechar os olhos a verdades patentes, mas abri-los
para o mundo subjetivo, sempre mais vasto, profundo e sutil, capaz de
enfrentar, interpretar, compreender, remover e reformular circunstâncias
exteriores.
Em
meio a tantas mutações sociais e revoluções tecnológicas, o homem, natureza
perene, tanto mais consciente de seu destino humano e de sua vocação integral,
resguarda e restaura (pelo menos tem a possibilidade de fazê-lo) os dons
essenciais do sentimento e da sensibilidade, sempre susceptíveis de
aperfeiçoamento. Por isso, a devoção às letras de um poeta como Bartolomeu
Campos Queirós, educador por acréscimo e coincidência, é claramente auspiciosa
para a formação de almas em flor e para o envolvimento de criaturas sensíveis.
Este
seu novo livro, Coração não toma sol
(porém sim amor), comprova e documenta sua íntima força lírica, seu infalível
bom gosto e sua original capacidade inventiva, em estilo que se distingue pela
singeleza. Tal poema, pela mesma autenticidade e espontaneidade, não possui
destinatário. É como o azul do céu, propício a todos. Tem o dom de atrair a
criança pela graça ingênua da narrativa; e o adulto afeiçoado à naturalidade
das origens, pelo que oferece de transparente. O esquema do texto é simbólico e
revela, sem acabar de revelar, um segredo de amor. "Não era fácil ser coração." Em verdade, não é fácil ser
coração. A menos que se transfigurem em música, assim como faz Bartolomeu, os
momentos angustiantes da existência.
Com
moderação e segurança, o ritmo participa fundamentalmente desse processo
criador. O enredo, mais do que tênue, pleno de sugestões e não de peripécias
fantasiosas, flui pelas entrelinhas em atmosfera de penumbra, aqui e ali
pontilhada de rápidas lucilações, entre uma lâmpada que se acende e o mistério
que se protege. Dessa forma, o leitor é conduzido a um estado de espírito que
será, para a criança, um toque de alvorecer; e, para o adulto, uma aura de
serena meditação.
Belo Horizonte, 16
de abril de 1981
(Posfácio
do livro Coração não toma sol, de Bartolomeu
Campos de Queirós. São Paulo, Editora FTD, 2011.)
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