Alice pegou o seio
Luci Afonso
Eu brincava de luzes na sala,
quando Dôra apareceu na porta da cozinha:
—
Alice pegou o seio! — ela disse, radiante. A
segunda neta levara doze horas para nascer e, passados três dias, ainda não pegara
o seio materno, que explodia em leite.
A notícia me encheu de
esperança. Eu brincava de luzes quando estava triste. Pegava duas ou três
pulseirinhas coloridas e transparentes, colocava no braço esquerdo e o movimentava
ao sol. De preferência, às dez da manhã, por causa da inclinação da luz. Me
sentava perto da janela e observava o reflexo estendendo-se pela sala e criando
um círculo ao meu redor. Sempre gostei de reflexos. Parecem carinhos.
Além de brincar de luzes,
nos dias mais difíceis — segunda, quarta, sexta e
domingo — eu fazia
uma festa de mentirinha. Ligava o rádio bem alto, tirava os chinelos e girava
descalça pela casa. Parecia louca, mas estava só triste. A gatinha me concedia
a dança a contragosto, e meu filho servia de parceiro relutante, mas gentil.
O melhor mesmo para vencer
a tristeza em diferentes graus e latitudes era saber que alguém estava feliz.
Alice, por exemplo. Parto difícil, nascera frágil demais para sugar o leite. A
mãe se desesperava e a avó permanecia atenta ao celular, até que chegou a novidade.
Ao longo do dia,
recebemos boletins frequentes:
—
Não quer largar mais! — Dôra comemorou.
—
Está mamando feito uma bezerrinha!
—
Arrotou!
—
Chorou quando a enfermeira tirou o seio!
—
Sorriu quando estava mamando!
Alice pegou o seio.
Imagino os dedos miúdos acariciando a pele da mãe, enquanto os olhos
arregalados acompanham os reflexos do sol na janela. Hoje não seria mais
preciso brincar de luzes, nem fazer festa de mentirinha. Alguém estava feliz de
verdade.
Maria Célia Morici Corrêa Que delícia de crônica! 26 de julho às 12:50
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Tarlei Martins Tão lindo, tão vivo! E tudo colhido no altar
do cotidiano. Obrigado por compartilhar! 26
de julho às 10:39
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