Para Olivia
Luci Afonso
Olivia querida,
Quando soltamos os balões
coloridos em direção ao céu e dissemos em coro “Elicio! Elicio!”, senti-me tão
viva! Quanto mais alto voavam, mais
forte era meu desejo de viver. Me perdoa? Seu grito “Acaboooou!”, quase partindo-a
em duas, ecoa em mim após tantos dias. Onde encontrou forças para colocar a
poesia na roda? Como se lembrou de distribuir rosas, poemas e balões coloridos?
Por que agradeceu, quando é você que merece gratidão?
Ao velar o corpo de Elicio,
você parecia cuidar de um filho no berço ou de uma planta no jardim. Você
reparou que o sol se escondeu, que as nuvens escureceram, que o vento se
aquietou? O tempo fechou os olhos e fez um minuto de silêncio para que vocês se
despedissem em paz.
Outros falecimentos aconteciam
à nossa volta naquela tarde, mas nenhum de um poeta, como o nosso. Dizem que o
outono é a estação do ano preferida de quem parte (talvez pela temperatura
amena), e a mais temida de quem fica. Dizem também que o fim de tarde é
propício a grandes despedidas, pois é nessa hora que se abre o portal do adeus.
Você sabia que minhas
palavras voltaram ali mesmo, depois de longo silêncio? Elas haviam me deixado por
algum motivo que não sei explicar —
talvez medo de não ter nada a dizer —,
mas eu as reencontrei enquanto observava os balões subindo, subindo, até
desaparecerem no ar. Chegando em casa, corri ao computador para escrever, antes
que elas de novo se sentissem óbvias e desimportantes e se calassem.
Não é a primeira vez que suas palavras despertam
as minhas, adormecidas por alguma razão menor. Estou lidando novamente com seus
textos, e sua voz me chega nítida e clara. Não é a primeira vez que sua paixão
visceral pela vida — mesmo na ausência
dela — me inspira e contagia. Não é a primeira vez que o seu amor
ilumina o meu receio de sofrer. Eu estava presente na noite celeste em que
vocês se conheceram, e estou agora, na tarde terrestre em que se despedem. Descobri
que amo de verdade o homem que já pensei em deixar. Como não agradecer?
Metade de você era verso,
Olivia. A outra metade sempre será poesia. O universo fecha os olhos e faz um
minuto de silêncio, enquanto os balões coloridos alcançam o eterno finito de
Elicio.
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