O gigante americano
Luci Afonso
Desde
ontem sinto uma dor dilacerante na base da coluna. Ela começou quando fui tirar
o gato de cima da mesa, esquecendo que agora ele pesa quase dez quilos.
Abaixei-me de mau jeito e me levantei torta.
De
início, procurei o ortopedista, que me encaminhou ao fisioterapeuta, que depois
de vinte sessões me devolveu ao ortopedista, sem melhora nenhuma. Analisando as opções de tratamento — osteopatia, terapia
mecânica, reconstrução músculo-articular, mobilização neural, conduta
cinesioterapêutica, quiropraxia —, lembrei-me de uma amiga que há pouco teve um
problema semelhante.
— Quiropraxia
é bom — diz Isolda ao telefone —, mas dói muito no começo. Depois alivia. O
pior é a cadeira. Haja o que houver, não solte o pescoço.
— Por
que não?
— Você
já viu os filmes do James Bond? Eles quebram o pescoço dos caras com um clique.
Minha
experiência com a quiropraxia não é boa. Há muitos anos, fui atendida por um
picareta que só levou meu dinheiro. Agora, porém, tenho a indicação de um bom
profissional. A advertência da Isolda me assustou um pouco, mas nada pode ser
pior que a dor atual.
Primeira
consulta. A parede da recepção está cheia de diplomas e a mesa, para variar,
coberta pela revista Caras. Espio a fantástica vida dos famosos enquanto espero.
— Tudou bem? — deparo-me com um gigante de
olhos azuis, barriga avantajada e sorriso bonachão. Deve dar um ótimo Papai
Noel. Apesar de estar há doze anos no Brasil, fala um português musical, carregado
nos rrs finais e entremeado de pausas e gestos.
— Desculparr, não falarr bem ou português.
Tentarr. OK.
Ele
pede que eu vista a camisola hospitalar, antes de me apalpar com as mãos
grandes e pesadas.
— Põe ou camisol abertou para trás. Seus
nervous durous. Tentarr soltarr. Non deu. Próximou vez. OK.
Em
seguida, ele ordena que eu deite de barriga para baixo e pressiona minhas
costas até eu ficar sem fôlego.
— Coluna tortou. Nervou inflamadou. Vértebrou
fora lugarr. Tentarr pôrr lugarr. Non deu. Próximou vez. OK.
O
gigante americano alterna toques das mãos imensas com batidas dolorosas de um
instrumento que não vejo, mas que parece um martelo. Tento me concentrar no
alívio que supostamente virá em seguida.
Quando
me deito de lado, o Dr. Robert põe todo o peso do corpo sobre minha perna
dobrada e dá um tranco como se eu fosse um carro velho. Ambos aguardamos o
clique, mas ele não vem. Ao que parece, a coluna está desalinhada há anos e não
vai ceder na primeira sessão.
— Sentarr nou cadeira.
Logo
descubro por que esta é a pior parte: ele agarra meu pescoço com as duas mãos e
o movimenta rapidamente em várias direções, antes de dar o puxão. O receio da
Isolda tem fundamento: um pequeno descuido seria fatal.
— Pescoçou travadou. Relaxarr. Muitou tensou.
Próximou vez. OK.
Estou muito
mais dolorida do que quando cheguei. O Dr. Robert adivinha meus pensamentos:
— Dorr normal primeirous três sessãos. Agora
colocarr gelou. Dez minutous. OK.
Após
quatro sessões de trancos, puxões e marteladas, o quiropraxista finalmente conseguiu
destravar a cervical, mas forçou tanto meu pescoço que fraturou meu ombro. Não
sinto dor: estou engessada da cintura para cima, aguardando o resultado do processo
de indenização por erro médico.
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Carla Moises E pior que é assim que acontece.
Rsss. Gostei da crônica.
Comentários no Facebook
Grazielli de Moraes Muito Bom...
28 de julho
de 2014 às 13:20
Olivia Maria Maia Maia Luci Afonso muito legal sua crônica.
Aproveitei, ao passar no blog, li as outras crônicas. Adorei. Sua escrita e seu
humor estão cada dia mais refinados. bjs
28 de julho
de 2014 às 14:17
Angela Menezes Delgado É por isso que fico nos relaxantes
musculares...
29 de julho
de 2014 às 09:10 · Descurtir · 1
Comentários
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