Fome de Brigadeiro




Luci Afonso


Um dia a gente pode fazer aula no Olhos Dágua sugeri, enquanto continuávamos a caminhada.

Lá tem aparelhos pra terceira idade? ele perguntou.

— Acho que sim — respondi, magoada.

Dobramos a quadra. O passo era moderado, pois eu já me cansara muito nos alongamentos preliminares. Na camiseta dele, as palavras personal trainer bem grandes, seguidas do número de telefone, chamavam a atenção. Eu tinha vergonha de parecer uma dondoca. Preferia ser um casal de amigos andando juntos, mas a propaganda é importante, e não tive coragem de pedir que usasse uma roupa mais discreta.

Fazíamos aula há cerca de um mês, e nesse prazo tínhamos atingido um estágio razoável de intimidade. Falávamos sobre quase tudo, inclusive nossa vida sentimental.

— Estou pensando em entrar naquele site — eu disse, referindo-me a um site de namoro na Internet, no qual uma amiga tinha conhecido homens interessantes.

— Minha avó procurou namorado na Internet, quando ficou viúva. Arrumou um cara bacana, estão juntos até hoje.

Desta vez, não aguentei:

— Quantos anos tem a sua avó?

— Setenta e cinco.

— E quantos anos você acha que eu tenho?

— Boa pergunta.

— Chuta.

— Uns... quarenta? — ele mentiu.

— Cinquenta e quatro. Eu tenho apenas cinquenta e quatro anos.

— Tá vendo? Eu quase acertei — ele mentiu de novo.

Eu não suportava a ideia de que ele me achasse velha. Ele escolhera uma profissão difícil: além de alongar e fortalecer músculos atrofiados por anos de sedentarismo, tinha que ser bom ouvinte e ótimo conselheiro para administrar a carência afetiva das alunas, em geral, solitárias. Na faixa dos cinquenta anos, é ainda mais complicado. É preciso não ferir sentimentos, alimentar vaidades e encorajar a autoestima.

Meu retorno à atividade física coincidira com o início de uma medicação que tinha, entre outros efeitos colaterais, a exacerbação da libido. Meu companheiro morrera há quatro anos, e só agora eu começava a sentir solidão. Também passei a fazer massagens que incluíam a bambuterapia, conhecida como afrodisíaca. Meu corpo, sem apetite durante longo tempo, agora despertava com uma fome voraz.

O personal trainer fora indicado por uma vizinha. Moreníssimo, sorriso alvíssimo, olhos pretíssimos. Sabe aquela vontade incontrolável de comer brigadeiro? Fiquei encantadíssima com o rapaz de vinte e seis anos, que, além de ser bom professor, era alegre, divertido e boa companhia. Comecei a mostrar meu melhor sorriso, a lançar insinuações e a fazer convites. Ele se esquivou com elegância e, acredito, com algum receio.

Inventei desculpas para mandar-lhe mensagens pelo What’sApp, que ele respondia com gentileza. Na última, me queixei de uma forte dor na coluna depois de um alongamento mais puxado. Ele respondeu que era normal. Quando agradeci a explicação, ele deu o xeque-mate nas minhas intenções: disse que se preocupava igualmente com todos os alunos e aproveitou para mandar uma foto com a namorada: moreníssima, sorriso alvíssimo, olhos pretíssimos. Fiquei decepcionadíssima, mas captei a mensagem.

Na próxima aula, ele chegou com uma surpresa: uma vistosa aliança na mão direita. Guardei meu charme, esqueci a fome de brigadeiro e me concentrei nos alongamentos. Já me cadastrei em dois sites na Internet — meu consolo é que, se a avó dele teve sucesso, pra mim vai ser moleza.  
                                  
                                     (Imagem: www.magiazen.com.br)

Comentários no Facebook:

Maria Teresa Valença Adorei, Luci!
7 de julho de 2014 às 04:36


Rose Rocha Pink Hummm


Comentários

  1. Que graça. Um textinho tão bonitinho . Lembrei-me agora do aprendiz de feiticeiro ,o Mário Quintana...
    Suas crônicas apresentam uma carga poética muito bela. ><

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  2. Luci parabéns maravilhosos esse texto como vc consegue escrever o cotidiano de forma tão engraçada

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