Manicada
Luci
Afonso
Minha paixão por
gatos tem apresentado sintomas alarmantes: às vezes me pergunto se estou
ficando, como se diz lá em Minas, manicada.
Tudo começou, é
claro, com a adoção de um gato, depois de outro e mais outro — um macho e duas fêmeas, felizmente, todos
castrados. Eles ocupam todos os cantos do apartamento. Sobem e descem da cama a
qualquer hora, sem pedir permissão. Deitam-se de lado, de comprido, no meio, no
travesseiro, o que for mais confortável. Com pena de acordá-los (quem já
observou o sono sagrado dos felinos entenderá por quê), nos encolhemos no
espaço restante.
Contratamos um
fotógrafo profissional para clicar nossos pets o dia inteiro. Escolhidas as
melhores poses, cada um ganhou um porta-retrato que faz parte das fotos de
família exibidas na estante da sala.
O chaveiro da
porta principal é uma gatinha prateada com gotas de strass; o da porta da cozinha, um minigatinho branco de pelúcia; o da
caixa de correio, o Garfield; o do carro, uma gata estilizada com a inicial “L”.
Sei que não sou
mais adolescente, mas enfeito meus cadernos com adesivos de gatos em várias
cores e posições: em pé, deitados, casais, sozinhos. Eles também servem para
marcar datas especiais na agenda de estampa felina.
O gato de porcelana
branca, comprei na lojinha esotérica da quadra. Os gatinhos japoneses da sorte,
também. Os dez. As esculturas de gatos egípcios protegem a entrada da casa. Blusa
de gato, pijama de gato, nécessaire
de gato, pingente de gato, livro sobre gato. O novo símbolo do meu blog é um
gato preto.
Comecei mesmo a
perder o controle quando adquiri o primeiro gato de pano xadrez cor-de-rosa na
lojinha de presentes.
— É pra sua
netinha? — perguntou a vendedora, com o olhar maldoso, enquanto fazia o
embrulho.
— Não, é pra mim
mesminha — respondi, devolvendo a malícia.
No dia seguinte,
vi um gato igual na vitrine. Passei algumas vezes em frente à loja pra checar
se a vendedora era a mesma. Era. Eu tinha todo o tempo do mundo. Sentei-me no
café do outro lado da rua, pedi um expresso e fingi ler o menu. Daí a pouco a
moça saiu com um bolo de papéis, em direção à lotérica. Entrei correndo na loja,
comprei o gatinho e pedi à dona que colocasse numa sacola comum. Ela comentou:
— Vendemos um
igualzinho ontem. É pra sua netinha?
— Não, é pra sua
vovozinha — pensei em dizer, mas o sorriso simpático me deteve. Não sou tão
insensível a ponto de ignorar um sorriso desses.
Agora eu tinha
dois gatos de pano xadrez cor-de-rosa na prateleira acima da cama. Coloquei um
em cada ponta, mas eles pareciam tão... sozinhos! Lembrei de uma amiga que
fazia trabalhos manuais e perguntei-lhe se fazia gatos. Ela se dispôs a tentar.
Fez diversos: estampa de cupcakes, de
corações, branco de bolinhas vermelhas, vermelho de bolinhas pretas, sentados,
deitados sobre as patas. Teve de interromper a produção devido à alta demanda
por coelhos de Páscoa.
Ouvi dizer que na Feira da Torre há uma artesã
especialista em corujas, girafas e tartarugas de feltro. Quem sabe não a
convenço a experimentar algo diferente? Como diz Tia Afonsina, quem não mia não mama.
(Arte: Kelly Souto)
É, amiga, você, que é uma gata, só pode ter sido,na outra encarnação, uma gata mesmo...
ResponderExcluirAmei esse conto como sempre bem construido o texto
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