Devagar e perigosa
Luci Afonso
Acabo de descobrir que
sou mais uma vítima da síndrome do carro na garagem — SCG.
De início notei que
andava mais lenta:
— Ô lesma!
— Ô roda presa!
— Morreu, vó?
Depois comecei a perder
o controle de embreagem:
— A senhora comprou a
carteira no Goiás? — perguntou a dona do Voyage cujo para-choque amassei na
tesourinha da 112.
Logo em seguida, vieram as manobras
perigosas, feitas numa espécie de transe. Quando eu percebia, estava prestes a
bater.
— Sua loooouca! —
gritou a mulher do Corsa que desviou por milagre, quando saí bruscamente de uma
agulhinha.
O trânsito de Brasília
é um costurar sem fim, mas depois de 25 anos sem multas nem acidentes, fui surpreendida
pela fobia ao volante. Senti-me incompetente. Começaram as cobranças:
— Você está gastando
demais com táxi — comenta Tia Afonsina.
— Cadê o carrão? —
pergunta o porteiro do prédio para onde acabo de me mudar.
A síndrome do carro na
garagem — SCG atinge pessoas ansiosas e perfeccionistas, com alto grau de
exigência consigo mesmas e com receio da desaprovação alheia — assim dizia o
folheto que recebi no Curso teórico de iniciação à superação do medo de
dirigir, do Detran. As 32 horas/aula não serviram para nada. O segundo passo
foi agendar vinte aulas práticas no Centro de Reabilitação de
Condutores (CRC), com taxa de aprovação de 99%. Só não entrei nessa estatística
porque me apavorei com a ideia de sair de carro, mesmo com o instrutor ao lado.
Fico admirada ao ver
pessoas dirigindo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Atualmente só ando
no banco de trás, porque também desenvolvi a síndrome do banco do passageiro — SBP
—, que costuma seguir a SCG, dando a sensação de que o veículo está
desgovernado e de que a qualquer hora vai acontecer um desastre. Felizmente, o
meu atual motorista é meu ex-marido, que dirige muito bem. Por coincidência, aprendeu
comigo.
O último passo
foi procurar os Motoristas Ansiosos Anônimos (M.A.A.), cujo lema é O importante é tentar. A maioria dos
membros convive há anos com a SCG/SBP, além de síndromes derivadas.
Graças à ajuda do
grupo, toda manhã desço até a garagem, entro no carro, afivelo o cinto e ligo o
rádio. Depois de ajustar os retrovisores, dou a partida. Me dá um suor frio, as
pernas tremem, o coração dispara, mas não desisto. Com muita calma, movimento o
carro para frente e para trás até me certificar de que não vou conseguir sair. Só
então chamo o táxi.
Luci querida, às vezes sinto também se aproximando lá do horizonte o pânico. Você então nem deve mais se lembrar do que seja dirigir à noite!
ResponderExcluirMas, sinceramente, nem acho que precisa lutar contra isso, já que tem um amigo fiel ao seu lado,para evitar o pior. Sei igualmente que nossa mente produz a realidade e, portanto, que ela não lhe atraia nenhum acidente, é o que sinceramente lhe desejo.