A velhinha trêmula
Luci
Afonso
Dona
Flor desce do carro com o auxílio do motorista e da cuidadora. Está atrasada. Caminha
a passos de bebê até a porta, cumprimenta todas num fiapo de voz e é instalada
na cadeira mais próxima do lavatório.
As
meninas estão a postos.
—
Tratamento completo hoje, Dona Flor? — pergunta Marijô.
—
Sim, por favor, querida. Mais a hidraaaatação.
—
A raiz tá grande, né?
—
É, minha filha, faaaalta de tempo.
—
Loira ou morena?
—
Loiiiiríssima.
—
Tem festa hoje?
—
Não, só manuuuutenção.
Dona
Flor empaca nas vogais. As meninas já estão acostumadas.
Os
cabelos são ralos como os de uma jovem espiga de milho. No alto da cabeça, um
pequeno espaço descoberto, que Marijô disfarça penteando os fios de lado.
—
Vai pintar a unha, Dona Flor? – Sônia se aproxima com os apetrechos de
manicure.
—
Sim. Tem o Deeeeesejo?
—
Novinho!
Ela
estende as mãos:
—
Desculpe, estou treeemendo um pouco hoje.
—
Tudo bem. É bom que dá uma sacudidinha — brinca Sônia.
A
pedicure traz a bacia com água morna.
—
E o pé, a senhora vai pintar? — pergunta Edileusa.
—
Claro, querida, Deeeeesejo! Falar nisso, cheeeegou meu creme, Rose?
—
Qual é mesmo? — quer saber a dona do salão.
—
Reeeenew intensive. O meu está quase acabando.
—
Mando levar assim que chegar.
— Ele é muiiiito bom —
ela se examina no espelho. Não há mais espaço para rugas, mas elas estão
lisinhas, como se tivessem sido engomadas a ferro.
— Hora dos remédios —
lembra a cuidadora.
— Que saco essa
remedaiada! Me dá a baaaaaanana.
Ela só consegue engolir
a dezena de comprimidos que toma diariamente junto com pedaços de banana. A
cada comprimido, faz uma pausa dramática e uma careta.
— É triste fiiiiicar
velha, minha filha. É uma doençada que a gente descoooobre...
Dona Flor Prazeres dos Santos tem oitenta anos supervividos. Frequenta o Rose Cabeleireiros há pelo
menos duas décadas, quando ainda não tinha o Parkinson. Nesse período, perdeu
parte dos movimentos, teve de acostumar-se com o tremor, com a dificuldade na
fala e na deglutição.
A vaidade, porém,
permaneceu intacta. Na agenda cheia, a manhã de sexta é reservada para cuidados
com a beleza. Os outros dias ela dedica aos cuidados com a saúde, à ginástica
para idosos no parque, a reuniões dos grupos literários e comunitários de que
participa e a providências diversas. Na maturidade, publicou alguns livros que
não conseguiu vender e que ainda distribui aos amigos ou dá como presentes de
Natal (faltam apenas quatro caixas, com cem livros cada uma). Ainda gosta muito
de ler, mas já não escreve.
À noite, Dona Flor não
perde o Jornal Nacional. Depois,
entra no Facebook, onde tem 231 amigos. Gosta de atualizar seu perfil com fotos
tiradas pela neta. Curte, compartilha e, às vezes, posta alguma reflexão sobre
a vida, geralmente tirada dos livros. Só não tem paciência com jogos
idiotas.
Bom mesmo é o sábado,
que passa com a única neta, agora com 22 anos. É verdade que ultimamente ela
traz o chato do namorado, mas Dona Flor não deixa que ele estrague o dia.
Simplesmente o ignora, enquanto comenta as notícias da semana.
— E a Dilma, que
vaaaaia, hein? E a maniiiiifestação, você não está indo, né, filha? E o Neymar, quaaaaantos gols!
No domingo... Bem, no
domingo, Dona Flor descansa porque já não tem idade nem saúde para fazer
extravagâncias.
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