Cuidado com o X.!
Manuel Bandeira
Outro dia tomei um
táxi-lotação para Copacabana, havia dois lugares vagos atrás, mas anoitecia,
peneirava uma chuvinha miúda, fazia frio, preferi sentar-me no banco da frente
para me aquecer ao calor da máquina. O passageiro que ocupava a ponta teve o
gesto antipático de sair muito polidamente para me dar entrada, e lá fui eu,
espremido entre ele e o chofer, quando a lotação se completou com dois novos
passageiros. Estes eram grandes palradores, um ao que parece literato e
bastante academizável, pois, caindo a conversa sobre a Academia, o outro
perguntou-lhe: — Você nunca pensou em se candidatar?
Aí apurei o ouvido, quer dizer,
dei toda a força à minha maquinaria de ouvir e o que ouvi foi isto, que
reproduzo com a possível fidelidade:
— Eu, candidatar-me?
— Por que não?
— Deus me livre!
— Tem preconceito antiacadêmico?
— Não é isso. Não tenho é vocação
para ser traído!
— Traído?
— Não quero dar ao X. o gostinho
de me fazer o que fez ao A. e ao B.!
— Não conheço o caso, me conte.
— Pois ouça lá. A. e B.
disputavam a mesma vaga. X., amigo de ambos, prometera o voto a ambos.
Prometera de pedra e cal, como se diz. Era, porém, de crer que o desse a B.,
pois à véspera do pleito telefonara à mulher de B. recomendando-lhe: “E olhe, não
se esqueça de pôr champanha na geladeira, a vitória é certa!”. Mas no momento
de votar...
— Votou em A.
— Qual A. nem B.! Votou em C!
— Em C.? C. não tinha nenhuma
possibilidade de ser eleito! Foi então um voto humorístico?
— X. não é humorista, você sabe
disto melhor do que eu. Votou em C. porque o homem lhe andava prestando uns
serviços, na ocasião precisava mais dele do que de A. e de B.
— Incrível!
— Mas ouça o resto, que ainda é
melhor. X. teve o descoco de telefonar a B., que foi o eleito, para
felicitá-lo: “Meus parabéns! Então ganhamos!” Ao que B. respondeu, seco: “Ganhamos
sim, mas não com o seu voto, que foi de C.”. No dia seguinte B. recebia uma
telefonada de C.: “Dr. B., quem votou em mim não foi o X., foi o Y.”. Grande
surpresa de B., que telefona para A.: “C. me telefonou dizendo que quem votou
nele não foi o X., foi o Y.”. A. desmentiu indignado: “É falso! Y. votou em
mim, eu próprio fui o portador dos votos dele!”.
Eu escutava estarrecido. Decerto
tudo aquilo era invenção. Mas invenção ou não, aviso aos navegantes: se se
candidatarem à Academia, cuidado com o X.
[28.VI.1961]
Manuel Bandeira, Crônicas para Jovens. Global Editora,
São Paulo, 2012.
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