Blue, Lux Blue





          Luci Afonso
         
          Aproveito a manhã de sábado para cortar o cabelo, que está caindo nos olhos. Também vou pintar, pois já se veem três cores: o branco, nas têmporas; o preto, que substituiu o vermelho; e o louro escuro, que deveria cobrir o preto, mas não pegou direito. Há quinze anos frequento o Yes, na 402 Norte. É longe de casa, mas o atendimento é excelente. Além disso, o Forninho Mineiro fica logo na esquina e tem uma canjica deliciosa.
          Depois que meu antigo cabeleireiro, Xiquinho, teve um esgotamento nervoso, quem me atende é o Cecílio de Jesus — tão amável quanto o nome —, mas acabo de descobrir que ele mudou de salão. Para não perder a viagem, decido me arriscar com Rosália, uma alegre senhora que chegou há pouco do Uruguai.
          — Você corta cabelo há muito tempo? — pergunto.
          Cinco años.
          — Já tem muitas clientes aqui?
          — A senhora é la primera brasileña.  
          — Quero um corte jovem e leve, por favor.
      Joven y suave? Vamos a tentar — ela diz, piscando o olho esquerdo e mostrando os grandes dentes irregulares.
          A capa de proteção laranja me faz parecer uma abóbora madura gigante. Rosália tem a mão delicada e fala pouco, como eu gosto — sempre acreditei que cabeleireiro não é confidente nem psicólogo.  
          Terminado o corte, ela traz o espelho:
          Le gusta, querida?
          O resultado ficou razoável, sem pontas assimétricas aparentes.
          Vamos a pintar?
          A esta altura, o salão está cheio e o barulho dificulta a conversa.
          — Quero um louro bem bonito.
          — ...Bien hermoso? Vamos a tentar.
          A tintura leva 40 minutos para fazer efeito.  Enquanto espera, Rosália fuma na calçada. Depois de lavar e secar, ela traz de novo o espelho.
          Le gusta, querida?
          Grandes mechas azuladas despontam em meio ao branco, ao preto e ao louro escuro.
          — Ficou meio azul, né?
          Es la nueva tendencia en Uruguay. Joven, suave, hermoso, colorido... — Ela é tão simpática que não consigo ficar com raiva.
          No trajeto para o Forninho, percebo reações positivas ao visual descolado. Uma jovem cheia de piercings me pergunta onde fiz o cabelo; uma garotinha exclama: — Olha, mãe, meu querido pônei!
        Quando chego em casa, meu filho, que raramente observa minhas transformações, se surpreende: — Irado!
O espelho mostra uma pessoa totalmente nova. Só há um problema: preciso de outro guarda-roupa para combinar com o cabelo. Talvez eu faça um piercing e compre uma jaqueta preta de couro. Por fim, vou adotar um nome mais sugestivo — podem me chamar de Blue, Lux Blue.

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