Pois é, peraí...
Luci Afonso
Acabamos de nos mudar
para o último andar, que não tem copa. Dona Ridica, a copeira do andar
inferior, controla seu pequeno reino como uma déspota, interrompendo, sempre que
necessário, a conversa ao telefone:
(Pois é, minha filha. Você sabe que sou uma pessoa feliz, satisfeita.
Amo minha família. Meu marido, meus filhos, meus netos, todos me respeitam.
Minhas noras, então! Peraí...)
— A senhora vai levar
três copos? Precisa tudo isso? Aí eu fico sem nenhum. Quanto mais eu ponho na
bandeja, mais vocês pegam! Se puser dez, pegam dez. Se puser vinte, pegam
vinte. Põe copo, pega copo. No fim do dia, acabou!
(...Pois é, eu me dou bem com todo mundo, adoro meus vizinhos. Não
reclamo de nada, aceito tudo caladinha, barulho, confusão, tudo! Peraí...)
— Aqui não pode
almoçar, não. Se todo mundo quiser sentar, onde é que eu fico? Hã? O
micro-ondas é só da copa. A senhora quer saber como esquentar a comida? Melhor
trazer quente de casa.
(...Pois é, o Seu Inácio trouxe um pitbull da chácara que não me dá sossego. Ontem, ele pulou no jardim e esmagou as flores. Não fiz escândalo; não
dei um pio. Fui quietinha dar queixa na delegacia. Peraí...)
— Tem formiga na sala
de vocês? Deve ter pacote de biscoito ou açúcar aberto. Formiga é um bicho
muito perigoso. Aqui nunca teve! De repente, começou a aparecer.
(...Pois é, menina, os policiais já me conhecem
e até brigam para ver quem vai me atender. Levei a prova do crime: uma foto do cão
pisando nas flores. Peraí...)
— Quem comprou essa
garrafa de vocês? Que tampa dura! Toda vez preciso pedir pra alguém abrir. Dá
muito trabalho! Quase estraga a minha unha.
(...Pois é, minha filha, quero ver se a polícia vai resolver o assunto
rápido como da última vez, quando o maldito cachorro quase matou a nossa gata.
Peraí...)
— A hora certa de pegar
o café é às 9, que aí eu faço pra todo mundo. Se vier buscar depois, me
atrapalha. Imagina se cada um vier na hora que quiser! Vou passar a manhã
fazendo café.
(... Te contei não? O homem foi chamado à delegacia
e teve que assinar um documento se responsabilizando pelo animal. Depois disso,
nunca mais falou comigo, mas que culpa eu tenho se ele resolveu criar um
monstro em casa?)
Passados alguns meses,
fomos surpreendidos com a chegada de Janice, a nova copeira. Ela é simpática, faz
um café gostoso, dá livre acesso aos copos e até ao micro-ondas.
Dona Ridica se
aposentou. Coitado do Seu Inácio!
kkkkkk Delícia de crônica! Ainda mais para quem convive no mesmo ambiente e sabe as "rainhas" que andam por lá! Mas... Peraí... Essa já foi!
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