Meus pêsames, bom dia
Luci Afonso
Minha amiga Isolda me
prevenira: — Ela é um pouco velha. — Fui assim mesmo, por causa do convênio.
Estranhei as paredes
descascadas e as poltronas rasgadas do consultório, e o susto foi ainda maior
quando deparei com minha falecida avó vestida de médica. Uma enorme verruga
tomava o lado direito do nariz e projetava três pelos grossos, dois brancos, um
preto, como bigodes de gato.
Assim que me sentei, ela
começou as perguntas de praxe. Falava alto e não ouvia bem. Quando chegou ao estado
civil, fiquei confusa: à medida que os anos correm, não consigo decidir se “separada”
tem mais status que “solteira”, ou se
ambos indicam o mesmo fracasso. Eu meditava sobre o assunto quando ela comentou:
— TÔ TE ACHANDO UM
POUCO LENTA, MINHA FILHA.
— É — concordei —,
estou meio devagar.
— COMO ANDA SUA VIDA? COMO
ESTÁ O SEU EU? — ela perguntou, inclinando-se para frente e arregalando os
olhos azuis com sinais de catarata.
Lembrei minha avó no
caixão e senti medo. Tentei encurtar a conversa:
— Mais ou menos.
— ME CONTE TUDO.
— Bem...
— DEPOIS VOCÊ ME CONTA,
MEU ANJO. AGORA, PASSE PARA A SALINHA E FIQUE PELADINHA, QUE A DOUTORA VAI TE
EXAMINAR.
Com as mãos trêmulas,
ela recolheu o material, apalpou as mamas e avisou:
— AGORA, RELAXE QUE A DOUTORA
VAI COLOCAR O DEDINHO. — Obedeci, e em segundos estava liberada para me vestir.
— VOLTE ASSIM QUE TIVER
O RESULTADO, VIU?
Fiz o jejum à noite e
me dirigi ao Sabin logo cedo. A atendente leu o pedido com atenção e, após
consultar o supervisor, informou:
— A Dra. EAS se
enganou: estamos em março, não em abril. O convênio não aceita. — Examinei o
papel: além do erro na data, o carimbo estava de cabeça para baixo, logo depois
do exame de urina, e sem assinatura.
Conformada com o jejum
perdido, tomei o café com pão de queijo oferecido pelo laboratório e liguei
imediatamente para a médica. Seria uma chateação voltar ao final da Asa Sul.
Comecei a explicar a situação à secretária quando ela interrompeu, com voz
chorosa:
— Infelizmente, a
doutora faleceu esta manhã.
— De repente?
— Pode ter sido a idade.
— Quantos anos?
— Noventa, mês que vem.
(Tudo isso?, pensei. Ela não parecia ter mais de oitenta.)
— A senhora quer anotar
o local do velório? — indagou a jovem.
— Não precisa, querida.
Passo muito mal em velórios. Meus pêsames, bom dia.
Após comunicar o
falecimento a Isolda, imprimi nova lista dos credenciados no plano de saúde. Quero uma experiência menos fúnebre da próxima vez.
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