Doidinha



Luci Afonso
— E aí? — A cabeça ovalada apontou na fresta da porta.
— Virgem Nossa Senhora! — A avó teve um desmaio, a mãe começou a chorar e Dona Aurora fez o sinal da cruz.
— Não estou lindíssima? — ela entrou e deu uma volta no meio da sala.
— Você ficou doida? — gritou a mãe, entre soluços.
— Fiquei, e daí?
— Por que você fez isso, minha filha? — perguntou a visita.
— Porque eu quis, véi. É meu, eu faço o que eu quiser. Ninguém tem nada com isso.
— Filha... — quis saber a avó, já refeita do susto, mas ainda trêmula — ...você vai sair na rua assim?
— De boa, vó! Eu quero que todo mundo me olhe.
— Mas e se eles rirem de você?
— Quem estiver perto, eu meto a mão. Quem estiver longe, eu xingo.
— Foi ideia daquele gay, não foi? — gritou de novo a mãe, referindo-se ao Mano, que sempre fazia cortes malucos no cabelo da filha. Da última vez, desenhara um losango no alto da cabeça, mas agora era demais... — Cadê o telefone daquele... daquele...
— A ideia foi minha, falou? Eu já tenho quinze anos!
— Você pode usar uma touquinha de crochê enquanto cresce. Vai ficar bonitinho... — sugeriu Dona Aurora.
— A senhora que use touquinha, se quiser. Eu vou andar assim mesmo. Quem gostar, gostou. Quem não gostar, pode se f...
Levantou-se e foi embora. No caminho para casa, ouviu assobios e comentários, mas não ligou. Não se preocupava com a opinião dos outros. Não precisava de ninguém. Era um espírito livre. Libertíssimo.
A esta hora, os irmãos estavam na escola e a mãe provavelmente ia demorar. Abriu uma cerveja do pai, acendeu um cigarro e sentou-se no canto preferido da varanda. Na parede, havia escrito em letras enormes: “SE EU MORRER, MORREREI DE PÉ, COMO UMA ÁRVORE”. Não sabia bem o que significava, mas incomodava muita gente, e isso já valia a pena.
Era rebelde, sim. Rebeldíssima. Fumava e bebia, contestava os mais velhos, brigava com os pirralhos dos irmãos, desafiava regras, desobedecia leis, não aceitava intromissões em sua vida. Sabia muito bem o que queria: liberdade, liberdade e liberdade... Para fazer o quê, ela tinha muito tempo para decidir.
O telefone tocou:
— E aí, gata, tudo em cima para a festa? — O namorado a convidara para um casamento chiquérrimo logo mais.
— Tudo em cima, amor.
— Você vai usar o cabelo solto, como eu gosto? Quero te ver linda.

Às oito em ponto, ouviu a buzina. Conferiu a maquiagem, passou mais perfume e pegou a bolsa de mão.
— Você está irada! — ele disse quando a viu.
Ela entrou no carro e acendeu outro cigarro, ajeitando a peruca longuíssima que Mano lhe emprestara de última hora.
         

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