Noiva
Luci Afonso
Eu a avistei assim que cruzou o portão de madeira. O vestido comprido a fazia levitar. Era alta e esguia como um pé de eucalipto, e os longos cachos morenos estavam a ponto de explodir como a inflorescência vermelha do flamboiã.
— A casa será ali — disse ela, apontando para o canto oposto ao qual eu me encontrava. Escolheu um pequeno seixo e o enterrou no futuro local da construção.
— Está lançada a pedra fundamental — ela proclamou, sorrindo. (Foi impressão minha, ou nessa hora o sol brilhou mais forte?)
Tirou as sandálias e atravessou o riacho, molhando os pés e a barra do vestido na água fresca. Depois, veio até a mata e abençoou cada árvore, tal qual madrinha dadivosa. Chegou perto de mim.
— Que espécie é essa? — perguntou.
— Não sei — respondeu o homem que a acompanhava. — Está quase morta, nem flores produz mais. Podemos cortá-la, se a senhora quiser.
Ela acariciou meu corpo ressequido e meus braços suplicantes.
— Não, eu quero revivê-la — e me enlaçou com carinho. (Foi ilusão minha, ou nesse momento a seiva me percorreu com mais vigor?)
Minhas raízes tremeram de medo e prazer. O homem tinha razão: eu havia desistido de florir. Gerava alguns fetos pálidos uma única época do ano, que às vezes desfaleciam em horas, sem ter recebido sequer um olhar.
Nos meses seguintes, sempre que visitava a obra, Ísis vinha até mim, recostava-se em meu tronco e entoava numa língua extinta a canção do renascimento, que aprendera em outras vidas e que espalhava pelo mundo desde o começo dos séculos. Eu protegia sua pele macia com a pequena sombra das folhas que começavam a brotar, enquanto se restaurava em mim o desejo de florescer.
Veio a seca, cantaram as cigarras, caíram as chuvas. Quando a casa ficou pronta, senti que havia chegado o instante tão ansiado. Nesse dia, ela vestiu-se de branco. Aproximou-se devagar, abraçou-me e pediu:
— Quer casar comigo?
Reunindo a seiva guardada durante anos, rebentei em botões de seda que desabrochavam sem medo, tecendo um véu reluzente para minha noiva.
— Quero — respondi em flores.
Realmente, você rebentou em botões de seda!
ResponderExcluirluci,
ResponderExcluiracabo de devorar o teu 'guardião da manhã' e te confesso que estou maravilhado com tudo aquilo que li. belos textos, belo livro. parabéns. grande abraço
amiga,
ResponderExcluirestou emocionada com o texto. Mulheres sensíveis escrevem sobre Ísis (guardo na estante e no coração a imagem recebida...).
grata amiga, pela delícia da partilha de emoções.
Te gosto por demais.
beijos
Olivia Maia
Fantástico! muito lindo esse conto, quase um poema tamanha veia lírica.
ResponderExcluirObrigado!